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19 de outubro de 2007

O compromisso com a Paz e as mudanças climáticas

Marcelo Barros*

O anúncio de que o prêmio Nobel da Paz de 2007 foi conferido a Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos e ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), surpreendeu muita gente. Sem dúvida, com esta escolha, a comissão internacional que escolhe os premiados do Nobel se une à sociedade civil internacional que, cada vez mais, constata: a agressão à natureza está mesmo provocando mudanças climáticas trágicas para muitas espécies e chegam a ameaçar a vida no planeta. Por isso, no momento, a maior colaboração para a Paz é o cuidado com a vida no planeta.
Há mais de 20 anos, Al Gore trabalha pela defesa da natureza. Desde 1991, tem livros publicados sobre o assunto. O seu filme "Uma verdade inconveniente" ganhou o Oscar de melhor documentário deste ano. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, (IPCC, na sigla em inglês), foi criado em 1988 pela ONU. A missão do Painel, presidido pelo indiano Rajendra Pachauri, consiste em avaliar a informação científica disponível sobre os efeitos das mudanças climáticas no mundo, destacar seus impactos ambientais e socioeconômicos e além disso traçar estratégias para dar respostas adequadas ao fenômeno. Atualmente, os trabalhos e relatórios do IPCC são referências tanto para responsáveis pela elaboração de políticas públicas na área da ecologia, como para científicos, ( ou seria cientistas?) especialistas e estudantes de todo o mundo. Cada relatório do IPCC reúne os resultados de pesquisas realizadas por 900 especialistas em 420 sistemas físicos e biológicos. Foi a partir de relatórios do IPCC que a ONU propôs acordos internacionais de redução de gases tóxicos (Kyoto), Agenda 21 (Rio) e outros para deter o aquecimento global e a degradação ambiental.
A atuação tanto do Al Gore como do IPCC, agora referendadas pelo prestigioso Nobel da Paz, confirmam: o caminho da paz passa por uma mudança de rota no modelo de desenvolvimento hoje dominante no mundo. Entre muitas pessoas de todo o mundo, é cada vez mais clara a consciência de que a comunhão com a natureza supõe uma ruptura com um estilo de vida consumista e depredador dos recursos da Terra. Não se trata de condenar o progresso nem de pregar o atraso como recurso ecológico. O primeiro encontro mundial de povos indígenas se encerrou em Cochabamba, Bolívia, neste 12 de outubro, dia em que começou simbolicamente a colonização européia em nosso continente. Em seu documento final, as comunidades indígenas ali representadas se comprometem em defender a Mãe Terra de tantas agressões e pedem à sociedade internacional o direito de viver suas culturas próprias e partilhar com a sociedade dominante um estilo de vida mais sustentável.
É preciso compreender corretamente o que economistas como Serge Latouche pregam ao propor à ONU e à humanidade o caminho dos seis R: reavaliar, reestruturar, redistribuir, reduzir, reutilizar e reciclar. Os primeiros três itens dizem respeito à correção do modelo social e econômico da sociedade como um todo, enquanto os outros três propõem que não sejamos apenas cidadãos consumidores, mas nos tornemos cada vez mais consumidores cidadãos.
Por visar o lucro a qualquer custo e estimular a competição entre as pessoas, como entre as nações, o Capitalismo é, por natureza, depredador e precisa ser controlado. Para dar um exemplo disso, o transporte de mercadorias tem um custo ecológico que só se justifica para bens de primeira necessidade que não possam ser produzidos localmente. A humanidade não pode mais se dar ao luxo de permitir que, da China ao Brasil, venham navios carregados de camisetas de malha, flores de plásticos e guarda-chuvas. Por que a China importar ferro-gusa do Brasil e o Brasil receber chocolate da Europa? Em um sistema de "economia solidária" está fora de cogitação economizar no valor monetário se isso implicar uma deseconomia ecológica. Os países terão de criar unidades de produção locais, articuladas em rede, com baixo padrão de consumo material (em relação aos parâmetros atuais nos países ricos).
É preciso, sim, baixar o padrão de consumo de uma minoria da humanidade que compra artigos produzidos em outras regiões do mundo e abusa do carro próprio sem necessidade. Ao procurar produzir o necessário à sociedade com menos desgaste ecológico, a humanidade voltará à época em que não se fabricavam as coisas para durar apenas três anos e obrigar os consumidores a comprar novos. Em Cuba, está havendo uma exposição de geladeiras, carros e móveis da década de 50 que ainda funcionam bem.
O desenvolvimento não consiste apenas em inventar novas máquinas ou mesmo novos programas de computador. Hoje se fala de "sociedade do conhecimento" para indicar a primazia do intelectual sobre o tecnológico no sentido estrito. A humanidade usou e abusou das tecnologias de ação sobre (ou contra) a natureza. Elas provocaram a crise ecológica atual. É por isso urgente desenvolver forças produtivas imateriais, a partir de um modo de produção cooperativo ou solidário. Isso implica em socializar mais os avanços científicos, tecnológicos e intelectuais como bens coletivos. Isso significa que todas as pessoas poderão ter mais acesso à cultura, à arte e ao lazer, ou seja, a uma melhor qualidade de vida. Os jovens se aproximarão uns dos outros, não pelo carro que possuem, mas por terem os mesmos gostos artísticos ou desenvolverem juntos uma pesquisa na área de música, teatro, cinema, literatura ou esportes. Quando as prefeituras promovem a arte nos bairros e periferias da cidade e quando as pessoas fazem do seu lugar de moradia um espaço de lazer, estão acionando uma nova força produtiva imaterial que temos de privilegiar. Mesmo quando as pessoas classificam plantas medicinais que ajudam a curar doenças, estão desenvolvendo sua força produtiva.
Tudo isso supõe novas atitudes diante da vida. Leonardo Boff escreve que as principais virtudes para o século 21 são a hospitalidade, o respeito, a tolerância, a convivialidade e assim por diante. A compaixão significa não uma atitude arrogante de ter piedade do outro e sim uma postura de "sentir com" e, portanto, de profundo respeito a todas as vidas, humanas e animais.

*Monge beneditino.


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19 de outubro de 2007

O compromisso com a Paz e as mudanças climáticas

Marcelo Barros*

O anúncio de que o prêmio Nobel da Paz de 2007 foi conferido a Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos e ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), surpreendeu muita gente. Sem dúvida, com esta escolha, a comissão internacional que escolhe os premiados do Nobel se une à sociedade civil internacional que, cada vez mais, constata: a agressão à natureza está mesmo provocando mudanças climáticas trágicas para muitas espécies e chegam a ameaçar a vida no planeta. Por isso, no momento, a maior colaboração para a Paz é o cuidado com a vida no planeta.
Há mais de 20 anos, Al Gore trabalha pela defesa da natureza. Desde 1991, tem livros publicados sobre o assunto. O seu filme "Uma verdade inconveniente" ganhou o Oscar de melhor documentário deste ano. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, (IPCC, na sigla em inglês), foi criado em 1988 pela ONU. A missão do Painel, presidido pelo indiano Rajendra Pachauri, consiste em avaliar a informação científica disponível sobre os efeitos das mudanças climáticas no mundo, destacar seus impactos ambientais e socioeconômicos e além disso traçar estratégias para dar respostas adequadas ao fenômeno. Atualmente, os trabalhos e relatórios do IPCC são referências tanto para responsáveis pela elaboração de políticas públicas na área da ecologia, como para científicos, ( ou seria cientistas?) especialistas e estudantes de todo o mundo. Cada relatório do IPCC reúne os resultados de pesquisas realizadas por 900 especialistas em 420 sistemas físicos e biológicos. Foi a partir de relatórios do IPCC que a ONU propôs acordos internacionais de redução de gases tóxicos (Kyoto), Agenda 21 (Rio) e outros para deter o aquecimento global e a degradação ambiental.
A atuação tanto do Al Gore como do IPCC, agora referendadas pelo prestigioso Nobel da Paz, confirmam: o caminho da paz passa por uma mudança de rota no modelo de desenvolvimento hoje dominante no mundo. Entre muitas pessoas de todo o mundo, é cada vez mais clara a consciência de que a comunhão com a natureza supõe uma ruptura com um estilo de vida consumista e depredador dos recursos da Terra. Não se trata de condenar o progresso nem de pregar o atraso como recurso ecológico. O primeiro encontro mundial de povos indígenas se encerrou em Cochabamba, Bolívia, neste 12 de outubro, dia em que começou simbolicamente a colonização européia em nosso continente. Em seu documento final, as comunidades indígenas ali representadas se comprometem em defender a Mãe Terra de tantas agressões e pedem à sociedade internacional o direito de viver suas culturas próprias e partilhar com a sociedade dominante um estilo de vida mais sustentável.
É preciso compreender corretamente o que economistas como Serge Latouche pregam ao propor à ONU e à humanidade o caminho dos seis R: reavaliar, reestruturar, redistribuir, reduzir, reutilizar e reciclar. Os primeiros três itens dizem respeito à correção do modelo social e econômico da sociedade como um todo, enquanto os outros três propõem que não sejamos apenas cidadãos consumidores, mas nos tornemos cada vez mais consumidores cidadãos.
Por visar o lucro a qualquer custo e estimular a competição entre as pessoas, como entre as nações, o Capitalismo é, por natureza, depredador e precisa ser controlado. Para dar um exemplo disso, o transporte de mercadorias tem um custo ecológico que só se justifica para bens de primeira necessidade que não possam ser produzidos localmente. A humanidade não pode mais se dar ao luxo de permitir que, da China ao Brasil, venham navios carregados de camisetas de malha, flores de plásticos e guarda-chuvas. Por que a China importar ferro-gusa do Brasil e o Brasil receber chocolate da Europa? Em um sistema de "economia solidária" está fora de cogitação economizar no valor monetário se isso implicar uma deseconomia ecológica. Os países terão de criar unidades de produção locais, articuladas em rede, com baixo padrão de consumo material (em relação aos parâmetros atuais nos países ricos).
É preciso, sim, baixar o padrão de consumo de uma minoria da humanidade que compra artigos produzidos em outras regiões do mundo e abusa do carro próprio sem necessidade. Ao procurar produzir o necessário à sociedade com menos desgaste ecológico, a humanidade voltará à época em que não se fabricavam as coisas para durar apenas três anos e obrigar os consumidores a comprar novos. Em Cuba, está havendo uma exposição de geladeiras, carros e móveis da década de 50 que ainda funcionam bem.
O desenvolvimento não consiste apenas em inventar novas máquinas ou mesmo novos programas de computador. Hoje se fala de "sociedade do conhecimento" para indicar a primazia do intelectual sobre o tecnológico no sentido estrito. A humanidade usou e abusou das tecnologias de ação sobre (ou contra) a natureza. Elas provocaram a crise ecológica atual. É por isso urgente desenvolver forças produtivas imateriais, a partir de um modo de produção cooperativo ou solidário. Isso implica em socializar mais os avanços científicos, tecnológicos e intelectuais como bens coletivos. Isso significa que todas as pessoas poderão ter mais acesso à cultura, à arte e ao lazer, ou seja, a uma melhor qualidade de vida. Os jovens se aproximarão uns dos outros, não pelo carro que possuem, mas por terem os mesmos gostos artísticos ou desenvolverem juntos uma pesquisa na área de música, teatro, cinema, literatura ou esportes. Quando as prefeituras promovem a arte nos bairros e periferias da cidade e quando as pessoas fazem do seu lugar de moradia um espaço de lazer, estão acionando uma nova força produtiva imaterial que temos de privilegiar. Mesmo quando as pessoas classificam plantas medicinais que ajudam a curar doenças, estão desenvolvendo sua força produtiva.
Tudo isso supõe novas atitudes diante da vida. Leonardo Boff escreve que as principais virtudes para o século 21 são a hospitalidade, o respeito, a tolerância, a convivialidade e assim por diante. A compaixão significa não uma atitude arrogante de ter piedade do outro e sim uma postura de "sentir com" e, portanto, de profundo respeito a todas as vidas, humanas e animais.

*Monge beneditino.


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