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29 de outubro de 2007

Jornal do dia

Frei Betto

Nemo me confidenciou que, fora certos prazeres íntimos e gastronômicos, nada lhe imprime maior deleite do que, pela manhã, abrir a porta do apartamento e encontrar, sobre o tapete que lhe guarda a soleira, o jornal do dia. É como se a cada manhã, virada uma página de nossa existência, encontrasse ali o novo momento da cidade, do país, do mundo.
Enquanto lhe preparam o café, aboleta-se confortavelmente numa poltrona e percorre os olhos nas manchetes do dia. Lê as chamadas políticas, que lhe soam repetitivas e, por vezes, vergonhosas, como se os nossos representantes no poder público vivessem numa esfera protegida da ética e, sobretudo, da voz dos que os elegeram. Toma ciência dos acidentes de trânsito, das novas descobertas científicas, da oferta de sofisticados equipamentos eletrônicos, das previsões meteorológicas.
Sente-se constrangido ao visitar a página policial com os assassinatos em série, cujas vítimas são, em geral, pobres e negros, num menoscabo completo do valor da vida humana. Alegra-se quando se depara com a boa nova de que a Polícia Federal desmantelou mais uma quadrilha de criminosos de colarinho branco. Detém-se com atenção nas páginas dos esportes, à procura de detalhes sobre seus times preferidos, e lê atento os colunistas que, informados dos bastidores, comentam a crise dos clubes e o mercadejar de jogadores a preços exorbitantes.
Não lhe agradam os editoriais, raramente neles se detém, como se soubesse de antemão a opinião do jornal sobre os assuntos enfocados. Para Nemo, editorial deveria vir em pequenas doses na mesma página em que figuram as notícias, como elucidação ou contraponto ao fato. Contudo, lê com avidez e interesse seus colunistas preferidos, como a confirmar, num texto bem escrito, uma opinião que também é sua, ele que carece de meio e forma adequados de expressão.
Passa ao segundo caderno, onde figuram as colunas sociais, as novidades do mundo artístico, o lançamento de livros, CDs, peças de teatro e filmes. Ainda que pouco saia de casa para assistir aos espetáculos em cartaz, agrada-lhe saber das novidades. Observa as fotos das colunas sociais, onde o estranho mundo da elite aparece sempre sorridente e perfumado (jura que chega a sentir-lhe o cheiro), como se jamais as celebridades sofressem de dor de barriga, de desespero diante de um filho drogado, de mágoa por terem sido preteridas na lista de convidados de uma recepção vistosa.
Nemo se distrai com as histórias em quadrinhos, gosta em especial do Hagar, o Horrível e, por vezes, ocupa-se com as palavras cruzadas e, de uns tempos para cá, com o sudoku.
Se uma notícia lhe parece importante, rasga a página e guarda-a numa gaveta de recortes amarelados que a faxineira insiste em dar cabo, mas ele, por razões que não sabe explicar, acha que um dia poderão ser úteis. De fato, outro dia um amigo insistiu que a Segunda Guerra Mundial derrotou Hitler e o nazismo graças ao desembarque das tropas aliadas, lideradas por EUA e Inglaterra, na Normandia. Nemo revirou pilhas de jornais velhos, respirou poeira, e não encontrou o artigo de um analista europeu, anticomunista, onde admite que Hitler perdeu a guerra graças à resistência dos soviéticos. Combateram com a mesma garra com que, no século XIX, expulsaram da Rússia as tropas de Napoleão, e em janeiro de 1945 entraram em Berlim antes dos ocidentais.
Nemo fica desapontado quando o jornal atrasa e o tapete da porta amanhece descoroado. Ansioso por novidades, reclama pelo telefone e, antes que o atendam, já envia a cozinheira à banca mais próxima.
Nemo tem consciência da dificuldade de o jornal competir com a agilidade, em tempo real, da TV e da internet. Ainda assim, apraz-lhe agarrar aquele maço de folhas nas mãos, sentir o cheiro morno do papel, ouvir o farfalhar da página dobrada, ler os fatos nas entrelinhas, sabendo que as notícias haverão de respeitar-lhe o ritmo. Pode saborear o café sem que elas lhe fujam da vista.
Nemo concorda com Hegel, o jornal é a Bíblia do homem moderno. É como o livro sagrado, contém notícias apocalípticas e redentoras.


[Autor, em parceria com Mario Sergio Cortella, de "Sobre a esperança" (Papirus), entre outros livros]

27 de outubro de 2007

Evangelização e marketing

Jung Mo Sung*

Recentemente o jornal O Estado de São Paulo reproduziu um artigo publicado nos Estados Unidos sobre a prática de diversas igrejas evangélicas usarem o video-game Halo 3 (um jogo extremamente violento que está fazendo muito sucesso) para atrair jovens às igrejas. O argumento é simples: as igrejas precisam e desejam atrair jovens para lhes pregar o evangelho e a mensagem de paz, mas como os jovens parecem não ter interesse nesse tipo de assunto, elas decidiram lhes o que eles querem (a oportunidade de jogar em grupos um video-game da moda) e depois tentam lhes anunciar a boa-nova de Jesus. A principal discussão em torno desse assunto é se a experiência do jogo violento no interior da igreja não vai contra a mensagem de paz que a mesma igreja tenta pregar.
Sem entrar na discussão sobre a contradição ou não entre um video-game violento e a mensagem de paz (apesar de que nem sempre o que as igrejas pregam são realmente mensagens de paz), eu quero chamar atenção para o fato de que a lógica por trás dessa estratégia pastoral é a aplicação no campo religioso da lógica de marketing: pesquisar os desejos do público alvo e adequar a oferta a esses desejos.
Quando o objetivo maior de uma igreja é aumentar o número dos fiéis, parece-me bastante razoável que se aplique a lógica e as técnicas de marketing ao campo religioso. Pois, se há uma "ciência" bem desenvolvida para atender os desejos de seu público alvo e aumentar a fatia no "mercado" (seja religioso ou um outro) é o marketing.
Esta é a razão pela qual o uso da lógica de marketing não está restrito às igrejas dos Estados Unidos, mas também em outros países como Brasil. Há setores das igrejas cristãs que acreditam que a solução para os problemas pastorais e, especialmente, para fazer a igreja crescer (quantitativamente) está no marketing. Esta proposta é bastante sedutora, pois muitos bispos e lideranças das igrejas estão, com certa razão, preocupados com o número de fiéis. E como as teologias tradicionalmente utilizadas nos seminários e nas pastorais não estão conseguindo solucionar este problema, marketing soa como uma inovação salvadora. Assim, muitas igrejas cristãs (inclusive a católica) possuem ou estão criando institutos de marketing a ou algo que parece como "departamento de marketing" no interior das igrejas.
O maior problema dessa tendência é que a lógica profética do cristianismo entra em contradição com a lógica do marketing. As igrejas e pessoas que assumem a missão de anunciar a boa-nova do Evangelho devem ouvir em primeiro lugar a Palavra de Deus, e não os desejos dos "consumidores". Pois se missão cristã é simplesmente atender os desejos religiosos do povo para encher as suas igrejas, o chamado à conversão não faz sentido. A conversão só ocorre porque as pessoas encontram valores e propostas que são diferentes do que estão desejando.
Oferecer viodeo-games violentos, adocicar a mensagem cristã ou reduzir as liturgias a shows emotivos pode ajudar encher as igrejas, mas é também correr um sério risco de esvaziar ou até mesmo negar o evangelho.
Por outro lado, eu penso que as igrejas podem e até devem levar em consideração as técnicas de comunicação e de marketing na sua missão profética de criticar as injustiças e desumanidades que marcam o nosso mundo e anunciar a esperança de um mundo mais humano.
A lógica do marketing não é compatível com a missão cristã, mas há técnicas e conhecimentos utilizados pelo pessoal do marketing que podem ser aproveitados em outras lógicas. Um exemplo simples disso: o uso das técnicas de comunicação visual na confecção de materiais das lutas sociais. O equívoco do pessoal que acreditam que o marketing é a "salvação" para a pastoral não pode nos levar a outro equívoco de não aprendermos os conhecimentos e técnicas utilizados no campo de marketing que poderiam ser muito úteis na nossa missão profética.


*Professor de pós-grad. em Ciências da Religião da Univ. Metodista de S. Paulo e autor de Sementes de esperança: a fé em um mundo em crise

24 de outubro de 2007

Direito ao silêncio

Frei Betto*

Há demasiados ruídos à nossa volta. O coração sobressalta, os nervos afloram, a mente atordoa-se. É o televisor ligado quase o tempo todo, o fluxo incessante de imagens sugando-nos num carrossel de flashes.
O rádio em monólogo inclemente, a música rítmica desprovida de melodia, o som alojado nos orifícios auditivos, o telefone trinando supostas urgências, o celular a invadir todos os espaços, suas musiquetas de chamada destoando em teatros, cinemas, templos, cerimônias e eventos, seus usuários nele dependurados pelas orelhas, publicitando em voz alta conversas privadas.
De todos os lados sobem ruídos: da construção civil vizinha, do latido dos cães, dos carros na rua e das aeronaves que cortam o espaço, das motos estridentes, do anunciante desaforado em seu carro de som, do apito fabril disciplinando horários.
Tantos ruídos causam tamanho prejuízo à saúde humana que o Exército usamericano criou, em sua sanha assassina, um arsenal de "projéteis sonoros", capazes de produzir som de 140 decibéis. Bastam 45 para impedir o sono. O rumor do tráfego na esquina de uma avenida central atinge 70 decibéis. Aos 85 produz-se uma lesão auditiva. Elevado para 120, o som provoca dor aguda nos ouvidos. Imagine-se, pois, o que significa essa tecnologia de tortura a 140 decibéis!
Nosso silêncio não é quebrado apenas por ruídos auditivos. Agridem-nos também os visuais. Assim como o silêncio da zona rural ou de uma igreja nos impregna de paz, levei um choque ao visitar, anos atrás, Praga antes da queda do Muro de Berlim. Não havia outdoors. A cidade não se escondia atrás de anúncios. A poluição visual era zero, permitindo contemplar a beleza barroca da terra de Kafka.
Nas cidades brasileiras, subjugadas pelo império do mercado, somos vorazmente engolidos pela proliferação de propagandas, exceto a capital paulista, agora em fase de despoluição visual por iniciativa da prefeitura.
Sem silêncio, ficamos vulneráveis, expostos à voracidade do mercado, a subjetividade esgarçada, a epiderme eriçada em potencial violência. Contra esse estado de coisas, o professor Stuart Sim, da Universidade de Sunderland, na Inglaterra, acaba de lançar Manifesto pelo silêncio, contra a poluição do ruído. O autor enfatiza que a cacofonia de sons que nos envolve ameaça a saúde, provoca agressividade, hipertensão, estresse, problemas cardíacos.
Todos os grandes bens infinitos da humanidade - arte, literatura, música, filosofia, tradições religiosas - exigiram, como matéria-prima, o silêncio. Sem ele perdemos a nossa capacidade de raciocinar, ouvir a voz interior, aprofundar a vida espiritual, amar além do jogo erótico meramente epidérmico.
Quando um casal de noivos me procura, interessado em preparar-se para o matrimônio, costumo indagar se os dois são capazes de ficar juntos uma hora, em silêncio, sem que um se sinta incomodado. Caso contrário, duvido que estejam em condições de uma saudável vida a dois, pois o respeito ao silêncio do outro é um dos atributos da confiança amorosa.
Assisti ao filme O grande silêncio, do diretor alemão P. Gröning, que nos convida a penetrar a vida de uma comunidade cartuxa nos Alpes franceses. Nenhuma palavra no decorrer de três horas de filme, exceto o canto gregoriano das liturgias monásticas e o bater do sino. Um convite à mais desafiadora viagem: ao mais profundo de si mesmo.
Quem ousa, sabe que lá se desdobra um Outro que, por sua vez, espelha nossa verdadeira identidade. Viagem que tem como veículo privilegiado a meditação. Na fase inicial, é tão árduo quanto escalar montanha para quem não esta acostumado ao alpinismo. Porém, em certo momento, é como se u’a mão invisível nos elevasse, tornando a subida suave e agradável.
Só então se descobre que, no imponderável do Mistério, não se sobe, se desce, mergulha-se em si mesmo para vir à tona, do outro lado de nosso ser, naquele Outro silenciosamente presente em nossas vidas e na tecitura do Universo. Aqui a palavra se cala e o silêncio se faz epifania.
[Autor, em parceria com Leonardo Boff, de "Mística e Espiritualidade" (Garamond), entre outros livros].


*Frei dominicano. Escritor.

22 de outubro de 2007

Semana...

Semana começando... Tive surpresas boas no final de semana e nesta segunda, bem cedinho! Fiquei mais feliz!
Espero que toda a semana vá nesse ritmo!

Boa semana a todos.

20 de outubro de 2007

Como endireitar um esquerdista

Frei Betto*

Ser de esquerda é, desde que essa classificação surgiu na Revolução Francesa, optar pelos pobres, indignar-se frente à exclusão social, inconformar-se com toda forma de injustiça ou, como dizia Bobbio, considerar aberração a desigualdade social.
Ser de direita é tolerar injustiças, considerar os imperativos do mercado acima dos direitos humanos, encarar a pobreza como nódoa incurável, julgar que existem pessoas e povos intrinsecamente superiores a outros.
Ser esquerdista - patologia diagnosticada por Lênin como "doença infantil do comunismo" - é ficar contra o poder burguês até fazer parte dele. O esquerdista é um fundamentalista em causa própria. Encarna todos os esquemas religiosos próprios dos fundamentalistas da fé. Enche a boca de dogmas e venera um líder. Se o líder espirra, ele aplaude; se chora, ele entristece; se muda de opinião, ele rapidinho analisa a conjuntura para tentar demonstrar que na atual correlação de forças...
O esquerdista adora as categorias acadêmicas da esquerda, mas iguala-se ao general Figueiredo num ponto: não suporta cheiro de povo. Para ele, povo é aquele substantivo abstrato que só lhe parece concreto na hora de cabalar votos. Então o esquerdista se acerca dos pobres, não preocupado com a situação deles, e sim com um único intuito: angariar votos para si e/ou sua corriola. Passadas as eleições, adeus trouxas, e até o próximo pleito!
Como o esquerdista não tem princípios, apenas interesses, nada mais fácil do que endireitá-lo. Dê-lhe um bom emprego. Não pode ser trabalho, isso que obriga o comum dos mortais a ganhar o pão com sangue, suor e lágrimas. Tem que ser um desses empregos que pagam bom salário e concedem mais direitos que exige deveres. Sobretudo se for no poder público. Pode ser também na iniciativa privada. O importante é que o esquerdista se sinta aquinhoado com um significativo aumento de sua renda pessoal.
Isso acontece quando ele é eleito ou nomeado para uma função pública ou assume cargo de chefia numa empresa particular. Imediatamente abaixa a guarda. Nem faz autocrítica. Simplesmente o cheiro do dinheiro, combinado com a função de poder, produz a imbatível alquimia capaz de virar a cabeça do mais retórico dos revolucionários.
Bom salário, função de chefia, mordomias, eis os ingredientes para inebriar o esquerdista em seu itinerário rumo à direita envergonhada - a que age como tal mas não se assume. Logo, o esquerdista muda de amizades e caprichos. Troca a cachaça pelo vinho importado, a cerveja pelo uísque escocês, o apartamento pelo condomínio fechado, as rodas de bar pelas recepções e festas suntuosas.
Se um companheiro dos velhos tempos o procura, ele despista, desconversa, delega o caso à secretária, e à boca pequena se queixa do "chato". Agora todos os seus passos são movidos, com precisão cirúrgica, rumo à escalada do poder. Adora conviver com gente importante, empresários, ricaços, latifundiários. Delicia-se com seus agrados e presentes. Sua maior desgraça seria voltar ao que era, desprovido de afagos e salamaleques, cidadão comum em luta pela sobrevivência.
Adeus ideais, utopias, sonhos! Viva o pragmatismo, a política de resultados, a cooptação, as maracutaias operadas com esperteza (embora ocorram acidentes de percurso. Neste caso, o esquerdista conta com o pronto socorro de seus pares: o silêncio obsequioso, o faz de conta de que nada houve, hoje foi você, amanhã pode ser eu...).
Lembrei-me dessa caracterização porque, dias atrás, encontrei num evento um antigo companheiro de movimentos populares, cúmplice na luta contra a ditadura. Perguntou se eu ainda mexia com essa "gente da periferia". E pontificou: "Que burrice a sua largar o governo. Lá você poderia fazer muito mais por esse povo."
Tive vontade de rir diante daquele companheiro que, outrora, faria um Che Guevara sentir-se um pequeno-burguês, tamanho o seu aguerrido fervor revolucionário. Contive-me, para não ser indelicado com aquela figura ridícula, cabelos engomados, trajes finos, sapatos de calçar anjos. Apenas respondi: "Tornei-me reacionário, fiel aos meus antigos princípios. E prefiro correr o risco de errar com os pobres do que ter a pretensão de acertar sem eles."
[Autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros].


* Frei dominicano.

19 de outubro de 2007

O compromisso com a Paz e as mudanças climáticas

Marcelo Barros*

O anúncio de que o prêmio Nobel da Paz de 2007 foi conferido a Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos e ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), surpreendeu muita gente. Sem dúvida, com esta escolha, a comissão internacional que escolhe os premiados do Nobel se une à sociedade civil internacional que, cada vez mais, constata: a agressão à natureza está mesmo provocando mudanças climáticas trágicas para muitas espécies e chegam a ameaçar a vida no planeta. Por isso, no momento, a maior colaboração para a Paz é o cuidado com a vida no planeta.
Há mais de 20 anos, Al Gore trabalha pela defesa da natureza. Desde 1991, tem livros publicados sobre o assunto. O seu filme "Uma verdade inconveniente" ganhou o Oscar de melhor documentário deste ano. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, (IPCC, na sigla em inglês), foi criado em 1988 pela ONU. A missão do Painel, presidido pelo indiano Rajendra Pachauri, consiste em avaliar a informação científica disponível sobre os efeitos das mudanças climáticas no mundo, destacar seus impactos ambientais e socioeconômicos e além disso traçar estratégias para dar respostas adequadas ao fenômeno. Atualmente, os trabalhos e relatórios do IPCC são referências tanto para responsáveis pela elaboração de políticas públicas na área da ecologia, como para científicos, ( ou seria cientistas?) especialistas e estudantes de todo o mundo. Cada relatório do IPCC reúne os resultados de pesquisas realizadas por 900 especialistas em 420 sistemas físicos e biológicos. Foi a partir de relatórios do IPCC que a ONU propôs acordos internacionais de redução de gases tóxicos (Kyoto), Agenda 21 (Rio) e outros para deter o aquecimento global e a degradação ambiental.
A atuação tanto do Al Gore como do IPCC, agora referendadas pelo prestigioso Nobel da Paz, confirmam: o caminho da paz passa por uma mudança de rota no modelo de desenvolvimento hoje dominante no mundo. Entre muitas pessoas de todo o mundo, é cada vez mais clara a consciência de que a comunhão com a natureza supõe uma ruptura com um estilo de vida consumista e depredador dos recursos da Terra. Não se trata de condenar o progresso nem de pregar o atraso como recurso ecológico. O primeiro encontro mundial de povos indígenas se encerrou em Cochabamba, Bolívia, neste 12 de outubro, dia em que começou simbolicamente a colonização européia em nosso continente. Em seu documento final, as comunidades indígenas ali representadas se comprometem em defender a Mãe Terra de tantas agressões e pedem à sociedade internacional o direito de viver suas culturas próprias e partilhar com a sociedade dominante um estilo de vida mais sustentável.
É preciso compreender corretamente o que economistas como Serge Latouche pregam ao propor à ONU e à humanidade o caminho dos seis R: reavaliar, reestruturar, redistribuir, reduzir, reutilizar e reciclar. Os primeiros três itens dizem respeito à correção do modelo social e econômico da sociedade como um todo, enquanto os outros três propõem que não sejamos apenas cidadãos consumidores, mas nos tornemos cada vez mais consumidores cidadãos.
Por visar o lucro a qualquer custo e estimular a competição entre as pessoas, como entre as nações, o Capitalismo é, por natureza, depredador e precisa ser controlado. Para dar um exemplo disso, o transporte de mercadorias tem um custo ecológico que só se justifica para bens de primeira necessidade que não possam ser produzidos localmente. A humanidade não pode mais se dar ao luxo de permitir que, da China ao Brasil, venham navios carregados de camisetas de malha, flores de plásticos e guarda-chuvas. Por que a China importar ferro-gusa do Brasil e o Brasil receber chocolate da Europa? Em um sistema de "economia solidária" está fora de cogitação economizar no valor monetário se isso implicar uma deseconomia ecológica. Os países terão de criar unidades de produção locais, articuladas em rede, com baixo padrão de consumo material (em relação aos parâmetros atuais nos países ricos).
É preciso, sim, baixar o padrão de consumo de uma minoria da humanidade que compra artigos produzidos em outras regiões do mundo e abusa do carro próprio sem necessidade. Ao procurar produzir o necessário à sociedade com menos desgaste ecológico, a humanidade voltará à época em que não se fabricavam as coisas para durar apenas três anos e obrigar os consumidores a comprar novos. Em Cuba, está havendo uma exposição de geladeiras, carros e móveis da década de 50 que ainda funcionam bem.
O desenvolvimento não consiste apenas em inventar novas máquinas ou mesmo novos programas de computador. Hoje se fala de "sociedade do conhecimento" para indicar a primazia do intelectual sobre o tecnológico no sentido estrito. A humanidade usou e abusou das tecnologias de ação sobre (ou contra) a natureza. Elas provocaram a crise ecológica atual. É por isso urgente desenvolver forças produtivas imateriais, a partir de um modo de produção cooperativo ou solidário. Isso implica em socializar mais os avanços científicos, tecnológicos e intelectuais como bens coletivos. Isso significa que todas as pessoas poderão ter mais acesso à cultura, à arte e ao lazer, ou seja, a uma melhor qualidade de vida. Os jovens se aproximarão uns dos outros, não pelo carro que possuem, mas por terem os mesmos gostos artísticos ou desenvolverem juntos uma pesquisa na área de música, teatro, cinema, literatura ou esportes. Quando as prefeituras promovem a arte nos bairros e periferias da cidade e quando as pessoas fazem do seu lugar de moradia um espaço de lazer, estão acionando uma nova força produtiva imaterial que temos de privilegiar. Mesmo quando as pessoas classificam plantas medicinais que ajudam a curar doenças, estão desenvolvendo sua força produtiva.
Tudo isso supõe novas atitudes diante da vida. Leonardo Boff escreve que as principais virtudes para o século 21 são a hospitalidade, o respeito, a tolerância, a convivialidade e assim por diante. A compaixão significa não uma atitude arrogante de ter piedade do outro e sim uma postura de "sentir com" e, portanto, de profundo respeito a todas as vidas, humanas e animais.

*Monge beneditino.


16 de outubro de 2007

Direito de exigir direitos

Paulo César Carbonari*

O direito a ter direitos constitui-se em base da cidadania moderna e num dos principais ganhos da democracia (e também a principal perda decorrente de regimes autoritários instalados no século XX). O direito de exigir direitos é complemento ao direito a ter direitos. Pensar sobre estes temas é o desafio a que nos propomos num tempo em que é cada vez mais difícil concretizar estes direitos.
O direito a ter direitos parte do princípio de que cada pessoa está situada no mundo, que é um lugar político. Ou seja, cada pessoa faz parte de uma comunidade política na qual é reconhecida e pode reconhecer os demais semelhantes, todos, indistintamente, como sujeitos políticos, como cidadãos, como sujeitos de direitos.
Em contraste, a negação da possibilidade de participação numa comunidade política implica na negação da humanidade fundamental que está em cada pessoa. Daí que, todas as experiências históricas de "estado de exceção", modelos excludentes - às vezes autoritários, outras vezes mantidos dentro de Estados supostamente democráticos -, são formas de negar a participação a grupos ou segmentos sociais às condições básicas da cidadania. Quando se instala a "exceção", deixa-se de reconhecer o direito a ter direitos (e também o direito a exigir direitos). Em outras palavras, produz-se completo estranhamento, formal e material, dos humanos que passam a ser considerados, por algum argumento unilateral e autoritário, como sendo "quase-humanos" ou "não-humanos".
É comum, no cotidiano, ouvirmos o argumento repisado de que até se aceita direitos humanos, mas somente para "humanos direitos". Ora, posições deste tipo têm na base exatamente a idéia de que nem todos os seres humanos podem ser incluídos na categoria dos "humanos". Dito de outro modo, excepcionalmente, há humanos que não estão incluídos na comunidade política constitutiva dos direitos e, por isso, passíveis de tratamento que pode passar ao largo dos direitos reconhecidos como comuns aos demais - isto vai desde a discriminação sutil, até às formas mais graves de violência e eliminação sumária (produzida pela ação ou omissão do Estado ou mesmo por particulares). A justificativa, produzida por quem está incluído na ordem dos direitos contra os que exclui dela, é que estes, por terem quebrado a ordem que os reconheceria como sujeitos de direitos, merecem tratamento à margem do direito. Isto significa dizer que, se estão em posição inferior é por sua própria culpa. Dito de outra forma, é legítimo a quem está incluído na ordem determinar que certos tipos que se rebelaram contra ela ou que, aos olhos de quem determina a ordem, assim são entendidos, sejam tratados excepcionalmente, fora da ordem, fora do Direito. O mais surpreendente deste tipo de discurso é que a barbárie é legitimada como ação civilizatória.
Por já não participarem da comunidade da cidadania, desalojados que foram da condição de sujeitos que têm direito a ter direitos, não lhes resta também o direito de exigir direitos. Para ser mais exato, resta-lhes calar e submeter-se à ordem dos que têm direitos, impossibilitados, inclusive, de reclamar ou mesmo de declarar como injusta a ordem que os encerrou na categoria dos desordeiros, dos que não mais podem conviver na comunidade dos cidadãos. Seu grito ecoa como bagunça, incômodo.
Para evitar qualquer audiência aos que ordeiramente seguem seus afazeres públicos e privados resta à ordem afastá-los da vista. Nunca faltam motivos, às vezes aparentemente altos e significativos, para impedi-los de aparecer e de dizer. A ordem pública, constituída exatamente na base da participação - na possibilidade do aparecer e do dizer - de cada um e de cada uma, é invocada como impedimento para que esses "uns" que, por motivo justo se rebelam contra ela, dela tomem parte, aparecendo e dizendo. É o fim da ordem pública! É o fim do Estado de Direito!
Ora, um Estado de Direito que, em nome do Direito declara que cidadãos que dele participam, por se rebelarem contra a injustiça, deixam de ter a proteção do Direito e a condição de sujeitos de direitos é contraditoriamente um estado de não-Direito, sinônimo de autoritarismo. O autoritarismo vem revestido de ação democrática: o melhor a fazer com este tipo de gente, em nome da democracia, é afastá-lo da convivência democrática (mais que criminalizando sua atuação, desmoralizando sua causa).
Infelizmente assistimos a este tipo de posição nos discursos replicados contra as mobilizações de sem terra, de mulheres, de negros, de pessoas com deficiência, de indígenas, de pobres. Esse tipo de gente, até é gente, contanto que fique quieto, que não apareça. Quando resolve aparecer para cobrar a justiça e a igualdade propalada pela ordem, já não podem ser reconhecidos como "humanos direitos". Sentados em nossas confortáveis poltronas cidadãs nem precisamos tapar nossos ouvidos ou sujar nossas consciências - e muito menos nossas mãos - os encarregados de manter a ordem, de fazer cumprir a lei, que cuidem disso. Até quando continuaremos nos reconhecendo cidadãos deixando de reconhecer a cidadania dos outros!?

*Professor de filosofia no IFIBE e coordenador nacional de formação do MNDH


15 de outubro de 2007

As palavras bondosas nos dão vida nova, porém as palavras cruéis desanimam a gente.”

Ao retornar para casa, vindo do trabalho, decidi passar pelo supermercado. Caminhei as últimas quadras. Já era noite. Quando passei ao lado de uma banca de revistas, coloquei as sacolas no chão e descansei um pouco.
Ao lado da banca, observei um homem que dobrava caixas de papelão. Depois, com cuidado, ele as empilhava na sua carroça. Presenciei então um rápido diálogo. Alguém, que havia comprado uma revista, dirigiu-se ao carroceiro e lhe disse: “Seu cavalo é muito bonito!” O carroceiro suspendeu, por instantes, seu trabalho. “Muito obrigado!”, respondeu ele. Quando recomeçou seu trabalho, comentou, mais para si e para o seu cavalo: “Poxa, este é o primeiro elogio que recebo hoje!”Peguei as sacolas e continuei meu caminho para casa. Em meus pensamentos, várias reações brotavam das palavras do carroceiro. Confesso que elas me impressionaram.“Que dia, o deste homem!”, pensei. “Trabalhou o dia inteiro, sem nenhuma palavra de estímulo”. “Bem”, respondi a mim mesmo, “ao menos ele não vai dormir tão amargurado.
O elogio lhe fez bem.”Pouco depois, me dei conta de algo que me fez parar a caminhada, para organizar melhor minhas idéias. E uma grande tristeza tomou conta de mim. “Pensando bem, o elogio não havia sido dado ao carroceiro. O elogiado foi o cavalo!”. O elogio “indireto”, que o carroceiro tomou para si, foi por tratar bem do cavalo. E este já lhe bastou. Foi nele que se agarrou, para tornar a vida mais amena.Na manhã de ontem vivi uma situação bem diferente. Um colega de trabalho me procurou.
Em meio ao bom diálogo que tivemos, ele comentou: “Uma palavra que o Fulano me disse ontem me fez muito bem. Hoje o meu dia de trabalho vai render muito mais!”Elogios, estímulos, palavras de apoio... Como são raros! E como ajudam! E, se gestos e palavras de estímulo ajudam tanto, por que são tão raros, inclusive em nossos relacionamentos? Por que é tão difícil mostrar gratidão? Por que preferimos cobrar o que ainda não foi feito a agradecer pelo trabalho que já está concluído? Quantas pessoas com as quais convivemos – em casa, na comunidade, no trabalho – precisam agarrar-se a elogios indiretos, como o fez este carroceiro, para aumentar ao menos um pouco a sua auto-estima!
Elogiemos, sim, o cavalo bonito, o jardim bem florido, o carro bem cuidado, a casa limpa, o trabalho bem executado... mas não deixemos de animar, em palavra e ação, as pessoas com as quais Deus tece nossas vidas.

“As palavras bondosas nos dão vida nova, porém as palavras cruéis desanimam a gente” (Provérbios 15.4 – A Bíblia na Linguagem de Hoje).

Edson Edilio Streck

13 de outubro de 2007

Às vezes eu me pego surpreendida com tanta vida que brota de dentro de mim.

Hoje acordei com vontade de tudo e de muito!

Será um ótimo sábado, espero que do Ale também...

Organização, pequenas faxinas, saidinha a tarde pra visitar a mamãe e a noite eu e Ale faremos um ótimo programa a dois.

Ah! Amanhã, domingo, eu e Ale completamos 8 anos juntos... Que alegria!

Me sinto feliz por isso, sinto-me como se tivesse completado uma prova de atletismo (rsrs). Foram tantas dificuldades para estarmos juntos, que a sensação é bem essa... Cansaço no final do percurso mas alegria imensa de o ter realizado!

Ontem a Janice deu sinal de vida, respondeu a minha mensagem de "Feliz Dia da Criança", risosss! Perdeu o churrasco viu, estava ótimo, nos divertimos muito... Chegamos em casa às 3h30 da madruga!!!!

É isso, bom findi pro' céis!



Carta do Dia da Criança Inteligente

Welton Oda*

Brasil, 12 de outubro de 2007.
Filho,
Este será o primeiro ano em que não compraremos presentes para você no Dia das Crianças. Resolvemos te escrever esta carta para que você entenda nossas razões. Não vamos alegar que estamos sem dinheiro, que não deu tempo pra passar no shopping ou usar qualquer outra desculpa. Vamos ter contigo a consideração que os amigos têm uns pelos outros e te contar a verdade.
Um dia, ao ler o livro de um amigo nosso, o Rubem Alves (que é, pra nós, como um daqueles seus amigos de livros, tipo o Menino Maluquinho, que você nunca viu pessoalmente), fomos despertados por uma frase sua: "Cuidado com os brinquedos comprados prontos, eles podem emburrecer".
(Pausa para meditação)
Ah! Sim, filho. Talvez tenhamos que te dizer o que é meditação. Meditar é pensar, refletir.
Já refletiu? Então vamos lá! Pois é, aí nos lembramos daqueles teus dois coleguinhas que você diz que não sabem brincar com ninguém e vivem brigando com todo o mundo. Já reparou que eles sempre trazem um brinquedinho novo pra escola? Devem ter uma tonelada de brinquedos em casa, né?
Pensamos: será que o velho Rubem tem razão? Claro que não é só isso. Já reparou como eles ficam vidrados na frente de uma televisão? Nem piscam, né? Se for Xou da Bruxa então... Talvez você nos perguntasse se é por isso que eles ficaram burros?? Então te diríamos: Sei lá! Que é que tu achas? Mas..., vamos continuar, queremos ainda te dizer mais uma coisa.
É o seguinte: não vamos ficar com papo-mole, com o papinho romantiquinho de "preserve a natureza" da tiazinha da escolinha, porque sabemos que tem umas coisas que tu sacas muito bem, mas... Já tem muito plástico no planeta, já percebeste? Entupindo bueiros, "encapando" o leito dos rios, contribuindo pra piorar as enchentes. Tem até umas campanhas pra convencer as pessoas a usarem menos sacolas plásticas. Passou até nestas grandes redes de TV. Pois é, pra ti ver, se até eles transmitiram, é porque o negócio tá brabo mesmo, né?
É, mermão! Sabemos que você vai ser nosso companheiro nesta luta, como sempre esteve conosco em tantas outras, sabemos que vai apoiar sempre quem está preocupado em viver num ambiente mais agradável, mais sadio. Então, vamos consumir menos plástico, dar menos dinheiro a estes capitalistas selvagens, ser menos "iguais aos outros". Vamos nos dar de presente uns aos outros e andar de bicicleta, jogar bola, chamar seus amigos, bagunçar a casa toda, pintar garatujas no muro, apertar a campainha do vizinho e sair correndo, nadar no igarapé, andar de barco, plantar bananeira, comer carambola, ir ao cinema.
Vamos viver intensamente o Dia da Criança Inteligente!
* Com afeto, seus pais,Mônica Colares e Welton Oda


* Colaborador da Rádio Comunitária "A Voz das Comunidades", membro do Núcleo Comunitário Sophia e professor da Universidade Federal do Amazonas

10 de outubro de 2007

A perfeita alegria

Maria Clara Lucchetti Bingemer *

A alegria anda desaparecida dos lábios e corações humanos. É tão triste e desolador o panorama mundial; tão insana a luta diária pela sobrevivência e o ganho suado do pão de cada dia. É tão decepcionante todo o esforço contínuo e diuturno por relações humanas que se revelarão na próxima esquina traidoras, desonestas, infrutíferas. É tanto e tudo e mais, que a alegria pura, que jorra com frescor e transparência parece distante, longínqua e mesmo inalcançável.
No dia 4 de outubro celebrou-se a festa de um santo que nos ensina que a alegria - esse artigo raro - pode ser encontrada bem perto, mesmo ao lado. Francisco de Assis, burguês filho de rico comerciante, despiu-se um dia em plena praça para declarar seu amor a Jesus Cristo. E desde aí empreendeu um caminho que o levou aos braços da verdadeira alegria. Alegre e maravilhado com a vida, seu testemunho fala alto ainda hoje aos homens e mulheres do novo milênio.
Um dia Francisco deu a um leproso uma esmola e um beijo. Essa doação dos bens e dos afetos introduziu-o como noviço na escola da perfeita alegria que, no entanto, o levaria por caminho bem diferente daquilo que a lógica humana entende.
Seus sentidos e sua corporeidade afinavam-se à beleza do criado de maneira a sentir-se irmão de tudo e de todos. Vivendo uma fraternidade universal, Francisco apaixonava-se por tudo o que existia e respirava: do lobo ao cordeiro, da água à terra, da vida à morte. Seu olhar maravilhado transformava em canto de louvor toda experiência de vida por mais simples que fosse. Tudo se transfigurava e se revelava grávido do Espírito divino diante de seu coração extasiado.
Por outro lado, seu desejo crescia em ardor e intensidade pela pobreza que o despojava paulatina e radicalmente de toda posse e todo bem. Sedutora como uma bela mulher, a Dama Pobreza conduzia suavemente Francisco em seu caminho descendente de despojamento até chegar ao fundo mais profundo da condição humana, onde o esperava o rosto de seu Senhor feito pobre com os pobres em sua Encarnação e Cruz.
Assim é que a vida de Francisco foi marcada por várias rupturas: era rico e rompeu com a riqueza; rompeu com o pai para viver desatado de todos os laços, mesmo os mais legítimos; rompeu com o orgulho e a avareza, para assumir um modo de vida fundamentado na caridade e na humildade. Em um mundo hierárquico, propôs uma solidariedade horizontal na mais absoluta simplicidade.
E foi aí neste "não ter" nem "ser" nada neste mundo que Francisco encontrou a alegria. Seria doente? Masoquista? Louco? Parece que não, pois até hoje não apareceu sobre a terra homem mais alegre do que Francisco de Assis. Todas essas rupturas, Francisco as fez para abraçar um grande amor. Seu grande amor era Jesus, por quem o Pobrezinho de Assis se apaixonou de tal maneira que terminou por assemelhar-se a ele inclusive nas chagas da Paixão.
A Frei Leão, ensinando o que era a perfeita alegria, Francisco mostrou o caminho da caridade humilde que "tudo crê, tudo espera e tudo suporta". A única tristeza de sua vida era que o Amor não era amado. Para amar esse que é a fonte do Amor, Francisco a tudo deixou e com tudo rompeu. Ao final desse caminho, esperava-o a comunhão maravilhada com toda a criação. E também a perfeita alegria de saber que a pobreza, a humildade e a caridade em meio a todas as tribulações são o que realmente torna o ser humano livre. Desta liberdade feita de renúncia a tudo que não seja Deus jorra a perfeita alegria, que nada nem ninguém pode extirpar.
Que Francisco de Assis, homem do milênio, nos ensine a construir um mundo feito desta alegria livre e apaixonada, fruto de despojamento, sobriedade, simplicidade e capacidade sem fim de maravilhar-se.


[Autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor" (Ed. Rocco). www.users.rdc.puc-rio.br/agape]
* teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio

9 de outubro de 2007

O senador imexível

Frei Betto*

"Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?", indaga Marco Túlio Cícero, referindo-se ao senador Lúcio Sérgio Catilina, a 8 de novembro de 63 a.C., em Roma. Flagrado em atitudes criminosas, Catilina se recusa a renunciar ao mandato, urdindo um golpe contra o Senado.
Cícero, orador emérito, respeitado por sua conduta ética na política e na vida pessoal, põe em sua boca a indignação popular: "Por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos?"
"Ó tempos, ó costumes!", exclama Cícero movido por sua atormentada perplexidade diante da insensibilidade do acusado. "Que há, pois, ó Catilina, que ainda agora possas esperar, se nem a noite, com suas trevas, pode manter ocultos os teus criminosos conluios; nem uma casa particular pode conter, com suas paredes, os segredos da tua conspiração; se tudo vem à luz do dia, se tudo irrompe em público?"
Jurista, Cícero se esforça para que Catilina admita os seus graves erros: "É tempo, acredita-me, de mudares essas disposições; desiste das chacinas e dos incêndios. Estás apanhado por todos os lados. Todos os teus planos são para nós mais claros que a luz do dia."
Se Catilina permanece no Senado, não é apenas a vontade própria que o sustenta, mas sobretudo a cumplicidade dos que teriam a perder, com a renúncia dele, proveitos políticos. Daí a exclamação de Cícero: "Em que país do mundo estamos nós, afinal? Que governo é o nosso?"
Cícero não teme ameaças e expressa o que lhe dita o decoro: "Já não podes conviver por mais tempo conosco; não o suporto, não o tolero, não o consinto. (…) Que nódoa de escândalos familiares não foi gravada a fogo na tua vida? Que ignomínia de vida particular não anda ligada à tua reputação? (…) Refiro-me a fatos que dizem respeito, não à infâmia pessoal dos teus vícios, não à tua penúria doméstica e à tua má fama, mas sim aos superiores interesses do Estado e à vida e segurança de todos nós."
Os crimes de Catilina escancaram-se à nação. Seus próprios pares o evitam, como assinala Cícero: "E agora, que vida é esta que levas? Desejo neste momento falar-te de modo que se veja que não sou movido pelo rancor, que eu te deveria ter, mas por uma compaixão que tu em nada mereces. Entraste há pouco neste Senado. Quem, dentre esta tão vasta assembléia, dentre todos os teus amigos e parentes, te saudou? Se isto, desde que há memória dos homens, a ninguém aconteceu, ainda esperas que te insultem com palavras, quando te encontras esmagado pela pesadíssima condenação do silêncio?".
Catilina finge não se dar conta da gravidade da situação. Faz ouvidos moucos, jura inocência, agarra-se doentiamente a seu mandato. "Se os meus escravos me temessem da maneira que todos os teus concidadãos te receiam" - brada Cícero -, "eu, por Hércules, sentir-me-ia compelido a deixar a minha casa; e tu, a esta cidade, não pensas que é teu dever abandoná-la? E se eu me visse, ainda que injustamente, tão gravemente suspeito e detestado pelos meus concidadãos, preferiria ficar privado da sua vista a ser alvo do olhar hostil de toda a gente; e tu, apesar de reconheceres, pela consciência que tens dos teus crimes, que é justo e de há muito merecido o ódio que todos nutrem por ti, estás a hesitar em fugir da vista e da presença de todos aqueles a quem tu atinges na alma e no coração?".
Cícero não demonstra esperança de que seu libelo seja ouvido: "Mas de que servem as minhas palavras? A ti, como pode alguma coisa fazer-te dobrar? Tu, como poderás algum dia corrigir-te?" E não poupa os políticos que, apesar de tudo, apóiam Catilina: "Há, todavia, nesta Ordem de senadores, alguns que, ou não vêem aquilo que nos ameaça, ou fingem ignorar aquilo que vêem".
Catilina acaba se refugiando na Etrúria e morre em 62 a.C.. Cícero, afastado do Senado por Júlio César, é assassinado em 43 a.C.


[Autor, em parceria com Mario Sergio Cortella, de "Sobre a esperança" (Papirus), entre outros livros].
*Frei dominicano.

8 de outubro de 2007

Comece...

"Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o impossível."

6 de outubro de 2007

Alice e nós

Alice estava desnorteada, e encontrando um gato sentado sobre o galho de uma árvore, perguntou-lhe:

O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho tomar para sair daqui?

Isso depende muito de onde você quer ir... – respondeu o gato com um sorriso enigmático de orelha a orelha.

Não me importa muito para onde... – afirmou Alice.

O felino sentenciou: - Então não importa o caminho que você escolher. Para quem não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.

Às vezes nos sentimos assim, sem rumo... Mas de qulaquer forma, quem já não teve a vontade de sair sem rumo, de ver qual é?
Bom findi!

5 de outubro de 2007

A DOR QUE DÓI MAIS

Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dóem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Dóem essas saudades todas. Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.

Martha Medeiros

4 de outubro de 2007

É hora de abolir a pena de morte em todo o mundo

IPS*

Por Desmond Tutu - Arcebispo anglicano de Cidade do Cabo e ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1984.

Em grande parte do século XX a maioria das nações do mundo aplicou a pena de morte. Mas, na medida em que se aproximava o milênio muitas sociedades questionaram a presunção de que matar seus concidadãos através do sistema judiciário servisse para concretizar objetivos positivos. Alegra-me que a pena de morte esteja sendo eliminada do planeta. Como cristão, cujo sistema de crenças está baseado no perdão, penso que a pena de morte é inaceitável. Cento e trinta países de todas as regiões do mundo aboliram a pena de morte, legalmente ou na prática. Desde 1990, 50 países aboliram a pena capital para todos os crimes. No ano passado, somente 25 países realizavam execuções, seis deles na África.
É tamanho o sentimento mundial contra a pena de morte, com algumas exceções notáveis como Estados Unidos, China, Cingapura e outros, que uma resolução para exigir uma moratória das execuções e a abolição desse castigo será apresentada na Assembléia Geral neste mês. A comunidade mundial dará, então, seu parecer sobre a moralidade desta punição. Como um opositor da pena de morte, experimentei o horror de estar perto de uma execução. Não somente na época do apartheid na África do Sul, quando meu país tinha uma das taxas de execuções mais altas do mundo, mas também em outras nações.
Fui testemunha das condições que se fala das vítimas da pena de morte das quais as autoridades jamais falam: Os familiares dos condenados. Recordo os país de Napoleón Beazley, um jovem afro-norte-americano condenado no Texas depois de um julgamento contaminado de racismo. Sua dor era mais evidente na medida em que se aproximava a morte de seus filhos nas mãos de um Estado para o qual eles contribuem com o pagamento de impostos. Pude apenas imaginar o insuportável padecimento emocional pelo que passaram quando tiveram que dar o último adeus ao seu filho antes da execução.
Quem apóia a pena de morte costuma perguntar "o que diria se seu filho fosse assassinado?", que é uma pergunta natural. A raiva é uma reação natural diante do homicídio sofrido por uma pessoa amada e um desejo de vingança é compreensível. Mas, o que ocorre se a pessoa condenada à morte é seu filho. Ninguém cria seus filhos para que sejam assassinos; mas, alguns pais sofrem a pena de saber que seus filhos serão executados. Em 1988, os pais que estavam à espera de padecer a pena capital na África do Sul escreveram ao presidente do país dizendo: "Ser mãe ou pai e ver como seu filho está atravessando este inferno em vida é um tormento mais doloroso que ninguém pode imaginar".
Não devemos colocar nessa situação os filhos e filhas, os pais e mães de nossos próximos. Porque isso é infligir-lhes horrorosos e inaceitáveis sofrimentos. As represálias, os ressentimentos e a vingança nos deixaram um mundo banhado no sangue de muitos de nossos irmãos e irmãs. A pena de morte é parte deste processo, no qual se diz ser aceitável matar em determinadas circunstancias e se estimula a doutrina da vingança. Se queremos romper estes ciclos devemos eliminar a violência sancionada pelo Estado. Chegou a hora de abolir a pena de morte em todo o mundo.
A causa da abolição se torna cada vez mais irresistível a cada ano que passa. Em todos os lados a experiência nos mostra que as execuções são uma brutalidade tanto para os que estão implicados no processo quanto para a sociedade que as pratica. Por outro lado, em nenhuma parte do mundo se viu a pena de morte reduzir os crimes ou a violência política. Em uma nação após outra, é usada desproporcionalmente contra os pobres ou contra minorias raciais ou étnicas. Também é freqüentemente utilizada como uma ferramenta de repressão política e imposta de forma arbitrária. Trata-se de um castigo irrevogável que costuma ser aplicado a pessoas inocentes de qualquer crime. É, sobretudo, uma violência de direitos humanos fundamentais.


(Envolverde/ IPS)


*Inter Press Service

Religião e teorias do "Tudo"

Leonardo Boff*

Há um anseio irreprimível no espírito humano por uma visão total e por uma ordem que permanece mesmo dentro das desordens que constatamos. Concretamente vivemos no fragmento. Mas o que buscamos, na verdade, é o Todo. Os grandes sistemas religiosos e filosóficos procuram construir visões totalizantes do ser, de sua origem, de seu devir e de sua plena manifestação.
A ciência moderna não escapa desta insaciável busca. Desde que Newton introduziu a efetiva matematização da natureza surgiu o intento de uma "Teoria de Tudo"(TOE: Theory of Everything), também chamada de "Teoria da Grande Unificação" (TGU), ou a "Teoria-M" (Mater), um quadro geral que abrangesse todas as leis da natureza e que nos brindasse com a explicação final do universo.
Há dois livros clássicos que resumem os caminhos e descaminhos desta questão: o de John D. Barrow, Teorias de Tudo. A busca da explicação final (Zahar1994) e o outro de Abdus Salam, Werner Heisenberg e Paul A. M. Dirac: A Unificação das Forças Fundamentais. O grande desafio da física contemporânea (Zahar1993). Sabemos que os últimos anos de Albert Einstein foram dedicados, quase obsessivamente, a esta questão, sem alcançar nenhum resultado satisfatório. Recentemente a questão foi retomada com especial vigor por Stephen W. Hawking em seu recente livro Uma nova história do tempo (Ediouro 2005).
Logo no início, dá-se conta da dificuldade desta tarefa, pois, consoante a mecânica quântica, o princípio de indeterminação parece ser a marca fundamental do universo assim como o conhecemos. Como enquadrar realidades que são, por princípio. indetermináveis, bifurcáveis e potenciais numa única fórmula? Confessa: "Se realmente descobrirmos uma teoria completa, seus princípios gerais deverão ser, no devido tempo, compreensíveis para todos, e não apenas para uns poucos cientistas. Então, todos nós, filósofos, cientistas e simples pessoas comuns, seremos capazes de participar da discussão de por que é que nós e o universo existimos. Se encontrarmos uma resposta para essa pergunta, seria o triunfo último da razão humana - porque, então, conheceríamos a mente de Deus"(p.145).
A ilusão destas teorias é imaginar que tudo pode ser reduzido à física (clássica ou quântica) e traduzido na linguagem da matemática. A realidade, no entanto, se apóia, sim, na física, mas vai muito além dela. Por isso, John Barrow modestamente reconhece: "Não encontramos nada de matemático com relação a emoções e julgamentos, música e pintura"(p.272).Toda a vida cotidiana, o que move os seres humanos em sua busca de felicidade e em sua tragédia não cabem na concepção física do "Tudo". Pouco se me dá a imensidão dos espaços cósmicos cheios de pó sideral, de grávitons, elétrons, neutrinos e átomos, se meu coração está infeliz por não poder dar amor a quem amo, por ter perdido o sentido da vida e não encontrar consolo junto a Deus.
Aqui outro é o discurso e outros são os especialistas a serem invocados. Destas questões de vida e de morte falam os textos sagrados de todas as religiões e das tradições espirituais. Talvez o místico William Blake (+1827) nos inspire, pois na parte nos faz surpreender o Todo: "ver o mundo num grão de areia / e o paraíso numa flor do campo /segurar o infinito na palma da mão / e a eternidade numa hora".


* Teólogo e professor emérito de ética da UERJ

2 de outubro de 2007

Eu sou...

Porque eu sou tão forte que posso assumir minhas fraquezas.
Sou tão boa que quando má sou melhor ainda.
Sou luz e ausência de claridade.
Sou menina sem perder a responsabilidade e maturidade de uma mulher...
Sou atrapalhada mas sei seduzir
Sou a verdade disfarçada a mentira sincera
Posso ser sua base e sei como abala-la
Sou o romantismo e a modernidade individualista ...
Sou a loucura lúcida destilando toda sua inconseqüência
Sou inocentemente maliciosa... e adoro essa ingenuidade
Sou a flor do campo com espinho no cabo
Desperto os mais sublimes sentimentos e seus terríveis consentimentos
Sou amor e sou desejo... Sou alma e sou corpo
Odeio ficar sozinha mas não há companhia que me agrade
Sou a ferida e o remédio
Sou a beleza destilando seu charme no equivoco dos seus olhos
Sou a timidez extrovertida... e o silencio ininterrupto
Desvio os olhares mas não sou o centro das atenções
Sou a escolha mais lógica e a menos racional
A complicação e a perfeição
Sou o amor, coração, desejo, pele
Fixada ao presente mas nunca deixo de fazer planos para o amanhã
Posso não ser a construção do belo mas sei espalhar beleza
Tão altruísta que ao dizer isso me sinto muito egoísta
Sou a princesa plebéia
Sou a saudade no olhar, a distancia necessária... sou perdidamente encontrável
Sou manipulável e manipulada...
Adoro as diferenças do mundo e odeio o que elas causam
Adoro ser um mistério... adoro mais quando alguém o decifra...ai ai
Adoro o colorido, o preto e branco e o púrpura...
Sou a felicidade triste e a tristeza mais feliz já existente
Sou a vida induzida, a bagunça organizada
O seu perdão e sua condenação
Sou a companhia agradável no fim de tarde... e a pior pessoa pela manhã...
Sou o carinho gélido
A covinha no sorriso
Sou a lealdade nata descontraída na incerteza do pérfido
Sou a inconstância perseverante
Sou dominante e dominada
Sou calmaria, sou fera
Sou olhar doce misturado com a inquietude
Posso ser o certo e o imperfeito
O horizonte seguro na inconstância do meu ser
A personalidade formada totalmente indutiva
Sou eu assim na diversidade das minhas próprias palavras e na limitação das mesmas!



1 de outubro de 2007

Dia de Luz

O despertador toca e você acorda. Abre os olhos e torna a contemplar as mesmas cenas do ontem. Pela sua mente ágil, as dores sofridas passam em cenário cinematográfico. Você sente o corpo dolorido e cansado. Na boca, o gosto da amargura lhe fere o paladar, como gotas de fel.

Novo dia... Contudo, embora a noite de sono, não serão novas as lutas. Os problemas financeiros não se solucionaram no intervalo de algumas horas. A enfermidade que se abateu em seu lar não partiu. Ao contrário, você a sente mais presente do que nunca, nos gemidos que já lhe chegam aos ouvidos. Há que erguer-se do leito e retornar às lutas. A mesma luta. Você sente desânimo e pensa: "por que não me tirou Deus a vida, enquanto dormia? "Sinto-me exausto.não desejo mais sofrer, nem lutar." No entanto, os minutos correm céleres e há que retomar as atividades.

Entre a tristeza e o desalento, você se ergue e abre a janela. Neste instante, o sol lhe bate em cheio na face e inunda o seu quarto. Faz-se luz e a luz espanca as trevas. É novo dia, informa-lhe o sol. Há alegrias no ar; cantam os pássaros. A brisa da manhã o envolve e a natureza toda o convida a reformular suas disposições íntimas. Pare um instante. Encha com o ar renovado da manhã os seus pulmões. Respire profundamente. Contemple o azul do céu e dirija ao Criador a sua prece. Prece de gratidão por mais um dia na carne. Em vez de rogar a Deus que lhe tire do corpo, rogue-Lhe forças para o combate. É dia novo. Você não pode imaginar o que a Divindade lhe reservou para hoje. Pense em quantas pessoas almejariam estar em seu lugar, agora.

Enfermidade, dor, desemprego são problemas a serem administrados e equacionados, ao longo da existência. Recorde que a divindade lhe providenciou um dia de luz para você treinar, outra vez, disciplina, paciência, perdão. Não perca a oportunidade. Não jogue fora as chances de crescimento e resgate. E hoje, enquanto você sofre, luta e espera, alegre-se com os sons da vida, com o sorriso das crianças, com o colorido da natureza que o pai dispôs especialmente para você. Sorria. As lutas poderão ser semelhantes, mas não idênticas. Porque dia como este nunca houve e não haverá outra vez.

Deus não se repete.

Detenha-se a descobrir detalhes e observe a riqueza que o circunda.

Amigos, colegas, brincadeiras, abraços. Nada será igual ao que já foi.

Desfrute deste dia integralmente, porque dia igual a este só se vive uma vez.

Cada dia é bênção nova. Cada minuto é oportunidade espontânea de crescimento...

29 de outubro de 2007

Jornal do dia

Frei Betto

Nemo me confidenciou que, fora certos prazeres íntimos e gastronômicos, nada lhe imprime maior deleite do que, pela manhã, abrir a porta do apartamento e encontrar, sobre o tapete que lhe guarda a soleira, o jornal do dia. É como se a cada manhã, virada uma página de nossa existência, encontrasse ali o novo momento da cidade, do país, do mundo.
Enquanto lhe preparam o café, aboleta-se confortavelmente numa poltrona e percorre os olhos nas manchetes do dia. Lê as chamadas políticas, que lhe soam repetitivas e, por vezes, vergonhosas, como se os nossos representantes no poder público vivessem numa esfera protegida da ética e, sobretudo, da voz dos que os elegeram. Toma ciência dos acidentes de trânsito, das novas descobertas científicas, da oferta de sofisticados equipamentos eletrônicos, das previsões meteorológicas.
Sente-se constrangido ao visitar a página policial com os assassinatos em série, cujas vítimas são, em geral, pobres e negros, num menoscabo completo do valor da vida humana. Alegra-se quando se depara com a boa nova de que a Polícia Federal desmantelou mais uma quadrilha de criminosos de colarinho branco. Detém-se com atenção nas páginas dos esportes, à procura de detalhes sobre seus times preferidos, e lê atento os colunistas que, informados dos bastidores, comentam a crise dos clubes e o mercadejar de jogadores a preços exorbitantes.
Não lhe agradam os editoriais, raramente neles se detém, como se soubesse de antemão a opinião do jornal sobre os assuntos enfocados. Para Nemo, editorial deveria vir em pequenas doses na mesma página em que figuram as notícias, como elucidação ou contraponto ao fato. Contudo, lê com avidez e interesse seus colunistas preferidos, como a confirmar, num texto bem escrito, uma opinião que também é sua, ele que carece de meio e forma adequados de expressão.
Passa ao segundo caderno, onde figuram as colunas sociais, as novidades do mundo artístico, o lançamento de livros, CDs, peças de teatro e filmes. Ainda que pouco saia de casa para assistir aos espetáculos em cartaz, agrada-lhe saber das novidades. Observa as fotos das colunas sociais, onde o estranho mundo da elite aparece sempre sorridente e perfumado (jura que chega a sentir-lhe o cheiro), como se jamais as celebridades sofressem de dor de barriga, de desespero diante de um filho drogado, de mágoa por terem sido preteridas na lista de convidados de uma recepção vistosa.
Nemo se distrai com as histórias em quadrinhos, gosta em especial do Hagar, o Horrível e, por vezes, ocupa-se com as palavras cruzadas e, de uns tempos para cá, com o sudoku.
Se uma notícia lhe parece importante, rasga a página e guarda-a numa gaveta de recortes amarelados que a faxineira insiste em dar cabo, mas ele, por razões que não sabe explicar, acha que um dia poderão ser úteis. De fato, outro dia um amigo insistiu que a Segunda Guerra Mundial derrotou Hitler e o nazismo graças ao desembarque das tropas aliadas, lideradas por EUA e Inglaterra, na Normandia. Nemo revirou pilhas de jornais velhos, respirou poeira, e não encontrou o artigo de um analista europeu, anticomunista, onde admite que Hitler perdeu a guerra graças à resistência dos soviéticos. Combateram com a mesma garra com que, no século XIX, expulsaram da Rússia as tropas de Napoleão, e em janeiro de 1945 entraram em Berlim antes dos ocidentais.
Nemo fica desapontado quando o jornal atrasa e o tapete da porta amanhece descoroado. Ansioso por novidades, reclama pelo telefone e, antes que o atendam, já envia a cozinheira à banca mais próxima.
Nemo tem consciência da dificuldade de o jornal competir com a agilidade, em tempo real, da TV e da internet. Ainda assim, apraz-lhe agarrar aquele maço de folhas nas mãos, sentir o cheiro morno do papel, ouvir o farfalhar da página dobrada, ler os fatos nas entrelinhas, sabendo que as notícias haverão de respeitar-lhe o ritmo. Pode saborear o café sem que elas lhe fujam da vista.
Nemo concorda com Hegel, o jornal é a Bíblia do homem moderno. É como o livro sagrado, contém notícias apocalípticas e redentoras.


[Autor, em parceria com Mario Sergio Cortella, de "Sobre a esperança" (Papirus), entre outros livros]

27 de outubro de 2007

Evangelização e marketing

Jung Mo Sung*

Recentemente o jornal O Estado de São Paulo reproduziu um artigo publicado nos Estados Unidos sobre a prática de diversas igrejas evangélicas usarem o video-game Halo 3 (um jogo extremamente violento que está fazendo muito sucesso) para atrair jovens às igrejas. O argumento é simples: as igrejas precisam e desejam atrair jovens para lhes pregar o evangelho e a mensagem de paz, mas como os jovens parecem não ter interesse nesse tipo de assunto, elas decidiram lhes o que eles querem (a oportunidade de jogar em grupos um video-game da moda) e depois tentam lhes anunciar a boa-nova de Jesus. A principal discussão em torno desse assunto é se a experiência do jogo violento no interior da igreja não vai contra a mensagem de paz que a mesma igreja tenta pregar.
Sem entrar na discussão sobre a contradição ou não entre um video-game violento e a mensagem de paz (apesar de que nem sempre o que as igrejas pregam são realmente mensagens de paz), eu quero chamar atenção para o fato de que a lógica por trás dessa estratégia pastoral é a aplicação no campo religioso da lógica de marketing: pesquisar os desejos do público alvo e adequar a oferta a esses desejos.
Quando o objetivo maior de uma igreja é aumentar o número dos fiéis, parece-me bastante razoável que se aplique a lógica e as técnicas de marketing ao campo religioso. Pois, se há uma "ciência" bem desenvolvida para atender os desejos de seu público alvo e aumentar a fatia no "mercado" (seja religioso ou um outro) é o marketing.
Esta é a razão pela qual o uso da lógica de marketing não está restrito às igrejas dos Estados Unidos, mas também em outros países como Brasil. Há setores das igrejas cristãs que acreditam que a solução para os problemas pastorais e, especialmente, para fazer a igreja crescer (quantitativamente) está no marketing. Esta proposta é bastante sedutora, pois muitos bispos e lideranças das igrejas estão, com certa razão, preocupados com o número de fiéis. E como as teologias tradicionalmente utilizadas nos seminários e nas pastorais não estão conseguindo solucionar este problema, marketing soa como uma inovação salvadora. Assim, muitas igrejas cristãs (inclusive a católica) possuem ou estão criando institutos de marketing a ou algo que parece como "departamento de marketing" no interior das igrejas.
O maior problema dessa tendência é que a lógica profética do cristianismo entra em contradição com a lógica do marketing. As igrejas e pessoas que assumem a missão de anunciar a boa-nova do Evangelho devem ouvir em primeiro lugar a Palavra de Deus, e não os desejos dos "consumidores". Pois se missão cristã é simplesmente atender os desejos religiosos do povo para encher as suas igrejas, o chamado à conversão não faz sentido. A conversão só ocorre porque as pessoas encontram valores e propostas que são diferentes do que estão desejando.
Oferecer viodeo-games violentos, adocicar a mensagem cristã ou reduzir as liturgias a shows emotivos pode ajudar encher as igrejas, mas é também correr um sério risco de esvaziar ou até mesmo negar o evangelho.
Por outro lado, eu penso que as igrejas podem e até devem levar em consideração as técnicas de comunicação e de marketing na sua missão profética de criticar as injustiças e desumanidades que marcam o nosso mundo e anunciar a esperança de um mundo mais humano.
A lógica do marketing não é compatível com a missão cristã, mas há técnicas e conhecimentos utilizados pelo pessoal do marketing que podem ser aproveitados em outras lógicas. Um exemplo simples disso: o uso das técnicas de comunicação visual na confecção de materiais das lutas sociais. O equívoco do pessoal que acreditam que o marketing é a "salvação" para a pastoral não pode nos levar a outro equívoco de não aprendermos os conhecimentos e técnicas utilizados no campo de marketing que poderiam ser muito úteis na nossa missão profética.


*Professor de pós-grad. em Ciências da Religião da Univ. Metodista de S. Paulo e autor de Sementes de esperança: a fé em um mundo em crise

24 de outubro de 2007

Direito ao silêncio

Frei Betto*

Há demasiados ruídos à nossa volta. O coração sobressalta, os nervos afloram, a mente atordoa-se. É o televisor ligado quase o tempo todo, o fluxo incessante de imagens sugando-nos num carrossel de flashes.
O rádio em monólogo inclemente, a música rítmica desprovida de melodia, o som alojado nos orifícios auditivos, o telefone trinando supostas urgências, o celular a invadir todos os espaços, suas musiquetas de chamada destoando em teatros, cinemas, templos, cerimônias e eventos, seus usuários nele dependurados pelas orelhas, publicitando em voz alta conversas privadas.
De todos os lados sobem ruídos: da construção civil vizinha, do latido dos cães, dos carros na rua e das aeronaves que cortam o espaço, das motos estridentes, do anunciante desaforado em seu carro de som, do apito fabril disciplinando horários.
Tantos ruídos causam tamanho prejuízo à saúde humana que o Exército usamericano criou, em sua sanha assassina, um arsenal de "projéteis sonoros", capazes de produzir som de 140 decibéis. Bastam 45 para impedir o sono. O rumor do tráfego na esquina de uma avenida central atinge 70 decibéis. Aos 85 produz-se uma lesão auditiva. Elevado para 120, o som provoca dor aguda nos ouvidos. Imagine-se, pois, o que significa essa tecnologia de tortura a 140 decibéis!
Nosso silêncio não é quebrado apenas por ruídos auditivos. Agridem-nos também os visuais. Assim como o silêncio da zona rural ou de uma igreja nos impregna de paz, levei um choque ao visitar, anos atrás, Praga antes da queda do Muro de Berlim. Não havia outdoors. A cidade não se escondia atrás de anúncios. A poluição visual era zero, permitindo contemplar a beleza barroca da terra de Kafka.
Nas cidades brasileiras, subjugadas pelo império do mercado, somos vorazmente engolidos pela proliferação de propagandas, exceto a capital paulista, agora em fase de despoluição visual por iniciativa da prefeitura.
Sem silêncio, ficamos vulneráveis, expostos à voracidade do mercado, a subjetividade esgarçada, a epiderme eriçada em potencial violência. Contra esse estado de coisas, o professor Stuart Sim, da Universidade de Sunderland, na Inglaterra, acaba de lançar Manifesto pelo silêncio, contra a poluição do ruído. O autor enfatiza que a cacofonia de sons que nos envolve ameaça a saúde, provoca agressividade, hipertensão, estresse, problemas cardíacos.
Todos os grandes bens infinitos da humanidade - arte, literatura, música, filosofia, tradições religiosas - exigiram, como matéria-prima, o silêncio. Sem ele perdemos a nossa capacidade de raciocinar, ouvir a voz interior, aprofundar a vida espiritual, amar além do jogo erótico meramente epidérmico.
Quando um casal de noivos me procura, interessado em preparar-se para o matrimônio, costumo indagar se os dois são capazes de ficar juntos uma hora, em silêncio, sem que um se sinta incomodado. Caso contrário, duvido que estejam em condições de uma saudável vida a dois, pois o respeito ao silêncio do outro é um dos atributos da confiança amorosa.
Assisti ao filme O grande silêncio, do diretor alemão P. Gröning, que nos convida a penetrar a vida de uma comunidade cartuxa nos Alpes franceses. Nenhuma palavra no decorrer de três horas de filme, exceto o canto gregoriano das liturgias monásticas e o bater do sino. Um convite à mais desafiadora viagem: ao mais profundo de si mesmo.
Quem ousa, sabe que lá se desdobra um Outro que, por sua vez, espelha nossa verdadeira identidade. Viagem que tem como veículo privilegiado a meditação. Na fase inicial, é tão árduo quanto escalar montanha para quem não esta acostumado ao alpinismo. Porém, em certo momento, é como se u’a mão invisível nos elevasse, tornando a subida suave e agradável.
Só então se descobre que, no imponderável do Mistério, não se sobe, se desce, mergulha-se em si mesmo para vir à tona, do outro lado de nosso ser, naquele Outro silenciosamente presente em nossas vidas e na tecitura do Universo. Aqui a palavra se cala e o silêncio se faz epifania.
[Autor, em parceria com Leonardo Boff, de "Mística e Espiritualidade" (Garamond), entre outros livros].


*Frei dominicano. Escritor.

22 de outubro de 2007

Semana...

Semana começando... Tive surpresas boas no final de semana e nesta segunda, bem cedinho! Fiquei mais feliz!
Espero que toda a semana vá nesse ritmo!

Boa semana a todos.

20 de outubro de 2007

Como endireitar um esquerdista

Frei Betto*

Ser de esquerda é, desde que essa classificação surgiu na Revolução Francesa, optar pelos pobres, indignar-se frente à exclusão social, inconformar-se com toda forma de injustiça ou, como dizia Bobbio, considerar aberração a desigualdade social.
Ser de direita é tolerar injustiças, considerar os imperativos do mercado acima dos direitos humanos, encarar a pobreza como nódoa incurável, julgar que existem pessoas e povos intrinsecamente superiores a outros.
Ser esquerdista - patologia diagnosticada por Lênin como "doença infantil do comunismo" - é ficar contra o poder burguês até fazer parte dele. O esquerdista é um fundamentalista em causa própria. Encarna todos os esquemas religiosos próprios dos fundamentalistas da fé. Enche a boca de dogmas e venera um líder. Se o líder espirra, ele aplaude; se chora, ele entristece; se muda de opinião, ele rapidinho analisa a conjuntura para tentar demonstrar que na atual correlação de forças...
O esquerdista adora as categorias acadêmicas da esquerda, mas iguala-se ao general Figueiredo num ponto: não suporta cheiro de povo. Para ele, povo é aquele substantivo abstrato que só lhe parece concreto na hora de cabalar votos. Então o esquerdista se acerca dos pobres, não preocupado com a situação deles, e sim com um único intuito: angariar votos para si e/ou sua corriola. Passadas as eleições, adeus trouxas, e até o próximo pleito!
Como o esquerdista não tem princípios, apenas interesses, nada mais fácil do que endireitá-lo. Dê-lhe um bom emprego. Não pode ser trabalho, isso que obriga o comum dos mortais a ganhar o pão com sangue, suor e lágrimas. Tem que ser um desses empregos que pagam bom salário e concedem mais direitos que exige deveres. Sobretudo se for no poder público. Pode ser também na iniciativa privada. O importante é que o esquerdista se sinta aquinhoado com um significativo aumento de sua renda pessoal.
Isso acontece quando ele é eleito ou nomeado para uma função pública ou assume cargo de chefia numa empresa particular. Imediatamente abaixa a guarda. Nem faz autocrítica. Simplesmente o cheiro do dinheiro, combinado com a função de poder, produz a imbatível alquimia capaz de virar a cabeça do mais retórico dos revolucionários.
Bom salário, função de chefia, mordomias, eis os ingredientes para inebriar o esquerdista em seu itinerário rumo à direita envergonhada - a que age como tal mas não se assume. Logo, o esquerdista muda de amizades e caprichos. Troca a cachaça pelo vinho importado, a cerveja pelo uísque escocês, o apartamento pelo condomínio fechado, as rodas de bar pelas recepções e festas suntuosas.
Se um companheiro dos velhos tempos o procura, ele despista, desconversa, delega o caso à secretária, e à boca pequena se queixa do "chato". Agora todos os seus passos são movidos, com precisão cirúrgica, rumo à escalada do poder. Adora conviver com gente importante, empresários, ricaços, latifundiários. Delicia-se com seus agrados e presentes. Sua maior desgraça seria voltar ao que era, desprovido de afagos e salamaleques, cidadão comum em luta pela sobrevivência.
Adeus ideais, utopias, sonhos! Viva o pragmatismo, a política de resultados, a cooptação, as maracutaias operadas com esperteza (embora ocorram acidentes de percurso. Neste caso, o esquerdista conta com o pronto socorro de seus pares: o silêncio obsequioso, o faz de conta de que nada houve, hoje foi você, amanhã pode ser eu...).
Lembrei-me dessa caracterização porque, dias atrás, encontrei num evento um antigo companheiro de movimentos populares, cúmplice na luta contra a ditadura. Perguntou se eu ainda mexia com essa "gente da periferia". E pontificou: "Que burrice a sua largar o governo. Lá você poderia fazer muito mais por esse povo."
Tive vontade de rir diante daquele companheiro que, outrora, faria um Che Guevara sentir-se um pequeno-burguês, tamanho o seu aguerrido fervor revolucionário. Contive-me, para não ser indelicado com aquela figura ridícula, cabelos engomados, trajes finos, sapatos de calçar anjos. Apenas respondi: "Tornei-me reacionário, fiel aos meus antigos princípios. E prefiro correr o risco de errar com os pobres do que ter a pretensão de acertar sem eles."
[Autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros].


* Frei dominicano.

19 de outubro de 2007

O compromisso com a Paz e as mudanças climáticas

Marcelo Barros*

O anúncio de que o prêmio Nobel da Paz de 2007 foi conferido a Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos e ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), surpreendeu muita gente. Sem dúvida, com esta escolha, a comissão internacional que escolhe os premiados do Nobel se une à sociedade civil internacional que, cada vez mais, constata: a agressão à natureza está mesmo provocando mudanças climáticas trágicas para muitas espécies e chegam a ameaçar a vida no planeta. Por isso, no momento, a maior colaboração para a Paz é o cuidado com a vida no planeta.
Há mais de 20 anos, Al Gore trabalha pela defesa da natureza. Desde 1991, tem livros publicados sobre o assunto. O seu filme "Uma verdade inconveniente" ganhou o Oscar de melhor documentário deste ano. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, (IPCC, na sigla em inglês), foi criado em 1988 pela ONU. A missão do Painel, presidido pelo indiano Rajendra Pachauri, consiste em avaliar a informação científica disponível sobre os efeitos das mudanças climáticas no mundo, destacar seus impactos ambientais e socioeconômicos e além disso traçar estratégias para dar respostas adequadas ao fenômeno. Atualmente, os trabalhos e relatórios do IPCC são referências tanto para responsáveis pela elaboração de políticas públicas na área da ecologia, como para científicos, ( ou seria cientistas?) especialistas e estudantes de todo o mundo. Cada relatório do IPCC reúne os resultados de pesquisas realizadas por 900 especialistas em 420 sistemas físicos e biológicos. Foi a partir de relatórios do IPCC que a ONU propôs acordos internacionais de redução de gases tóxicos (Kyoto), Agenda 21 (Rio) e outros para deter o aquecimento global e a degradação ambiental.
A atuação tanto do Al Gore como do IPCC, agora referendadas pelo prestigioso Nobel da Paz, confirmam: o caminho da paz passa por uma mudança de rota no modelo de desenvolvimento hoje dominante no mundo. Entre muitas pessoas de todo o mundo, é cada vez mais clara a consciência de que a comunhão com a natureza supõe uma ruptura com um estilo de vida consumista e depredador dos recursos da Terra. Não se trata de condenar o progresso nem de pregar o atraso como recurso ecológico. O primeiro encontro mundial de povos indígenas se encerrou em Cochabamba, Bolívia, neste 12 de outubro, dia em que começou simbolicamente a colonização européia em nosso continente. Em seu documento final, as comunidades indígenas ali representadas se comprometem em defender a Mãe Terra de tantas agressões e pedem à sociedade internacional o direito de viver suas culturas próprias e partilhar com a sociedade dominante um estilo de vida mais sustentável.
É preciso compreender corretamente o que economistas como Serge Latouche pregam ao propor à ONU e à humanidade o caminho dos seis R: reavaliar, reestruturar, redistribuir, reduzir, reutilizar e reciclar. Os primeiros três itens dizem respeito à correção do modelo social e econômico da sociedade como um todo, enquanto os outros três propõem que não sejamos apenas cidadãos consumidores, mas nos tornemos cada vez mais consumidores cidadãos.
Por visar o lucro a qualquer custo e estimular a competição entre as pessoas, como entre as nações, o Capitalismo é, por natureza, depredador e precisa ser controlado. Para dar um exemplo disso, o transporte de mercadorias tem um custo ecológico que só se justifica para bens de primeira necessidade que não possam ser produzidos localmente. A humanidade não pode mais se dar ao luxo de permitir que, da China ao Brasil, venham navios carregados de camisetas de malha, flores de plásticos e guarda-chuvas. Por que a China importar ferro-gusa do Brasil e o Brasil receber chocolate da Europa? Em um sistema de "economia solidária" está fora de cogitação economizar no valor monetário se isso implicar uma deseconomia ecológica. Os países terão de criar unidades de produção locais, articuladas em rede, com baixo padrão de consumo material (em relação aos parâmetros atuais nos países ricos).
É preciso, sim, baixar o padrão de consumo de uma minoria da humanidade que compra artigos produzidos em outras regiões do mundo e abusa do carro próprio sem necessidade. Ao procurar produzir o necessário à sociedade com menos desgaste ecológico, a humanidade voltará à época em que não se fabricavam as coisas para durar apenas três anos e obrigar os consumidores a comprar novos. Em Cuba, está havendo uma exposição de geladeiras, carros e móveis da década de 50 que ainda funcionam bem.
O desenvolvimento não consiste apenas em inventar novas máquinas ou mesmo novos programas de computador. Hoje se fala de "sociedade do conhecimento" para indicar a primazia do intelectual sobre o tecnológico no sentido estrito. A humanidade usou e abusou das tecnologias de ação sobre (ou contra) a natureza. Elas provocaram a crise ecológica atual. É por isso urgente desenvolver forças produtivas imateriais, a partir de um modo de produção cooperativo ou solidário. Isso implica em socializar mais os avanços científicos, tecnológicos e intelectuais como bens coletivos. Isso significa que todas as pessoas poderão ter mais acesso à cultura, à arte e ao lazer, ou seja, a uma melhor qualidade de vida. Os jovens se aproximarão uns dos outros, não pelo carro que possuem, mas por terem os mesmos gostos artísticos ou desenvolverem juntos uma pesquisa na área de música, teatro, cinema, literatura ou esportes. Quando as prefeituras promovem a arte nos bairros e periferias da cidade e quando as pessoas fazem do seu lugar de moradia um espaço de lazer, estão acionando uma nova força produtiva imaterial que temos de privilegiar. Mesmo quando as pessoas classificam plantas medicinais que ajudam a curar doenças, estão desenvolvendo sua força produtiva.
Tudo isso supõe novas atitudes diante da vida. Leonardo Boff escreve que as principais virtudes para o século 21 são a hospitalidade, o respeito, a tolerância, a convivialidade e assim por diante. A compaixão significa não uma atitude arrogante de ter piedade do outro e sim uma postura de "sentir com" e, portanto, de profundo respeito a todas as vidas, humanas e animais.

*Monge beneditino.


16 de outubro de 2007

Direito de exigir direitos

Paulo César Carbonari*

O direito a ter direitos constitui-se em base da cidadania moderna e num dos principais ganhos da democracia (e também a principal perda decorrente de regimes autoritários instalados no século XX). O direito de exigir direitos é complemento ao direito a ter direitos. Pensar sobre estes temas é o desafio a que nos propomos num tempo em que é cada vez mais difícil concretizar estes direitos.
O direito a ter direitos parte do princípio de que cada pessoa está situada no mundo, que é um lugar político. Ou seja, cada pessoa faz parte de uma comunidade política na qual é reconhecida e pode reconhecer os demais semelhantes, todos, indistintamente, como sujeitos políticos, como cidadãos, como sujeitos de direitos.
Em contraste, a negação da possibilidade de participação numa comunidade política implica na negação da humanidade fundamental que está em cada pessoa. Daí que, todas as experiências históricas de "estado de exceção", modelos excludentes - às vezes autoritários, outras vezes mantidos dentro de Estados supostamente democráticos -, são formas de negar a participação a grupos ou segmentos sociais às condições básicas da cidadania. Quando se instala a "exceção", deixa-se de reconhecer o direito a ter direitos (e também o direito a exigir direitos). Em outras palavras, produz-se completo estranhamento, formal e material, dos humanos que passam a ser considerados, por algum argumento unilateral e autoritário, como sendo "quase-humanos" ou "não-humanos".
É comum, no cotidiano, ouvirmos o argumento repisado de que até se aceita direitos humanos, mas somente para "humanos direitos". Ora, posições deste tipo têm na base exatamente a idéia de que nem todos os seres humanos podem ser incluídos na categoria dos "humanos". Dito de outro modo, excepcionalmente, há humanos que não estão incluídos na comunidade política constitutiva dos direitos e, por isso, passíveis de tratamento que pode passar ao largo dos direitos reconhecidos como comuns aos demais - isto vai desde a discriminação sutil, até às formas mais graves de violência e eliminação sumária (produzida pela ação ou omissão do Estado ou mesmo por particulares). A justificativa, produzida por quem está incluído na ordem dos direitos contra os que exclui dela, é que estes, por terem quebrado a ordem que os reconheceria como sujeitos de direitos, merecem tratamento à margem do direito. Isto significa dizer que, se estão em posição inferior é por sua própria culpa. Dito de outra forma, é legítimo a quem está incluído na ordem determinar que certos tipos que se rebelaram contra ela ou que, aos olhos de quem determina a ordem, assim são entendidos, sejam tratados excepcionalmente, fora da ordem, fora do Direito. O mais surpreendente deste tipo de discurso é que a barbárie é legitimada como ação civilizatória.
Por já não participarem da comunidade da cidadania, desalojados que foram da condição de sujeitos que têm direito a ter direitos, não lhes resta também o direito de exigir direitos. Para ser mais exato, resta-lhes calar e submeter-se à ordem dos que têm direitos, impossibilitados, inclusive, de reclamar ou mesmo de declarar como injusta a ordem que os encerrou na categoria dos desordeiros, dos que não mais podem conviver na comunidade dos cidadãos. Seu grito ecoa como bagunça, incômodo.
Para evitar qualquer audiência aos que ordeiramente seguem seus afazeres públicos e privados resta à ordem afastá-los da vista. Nunca faltam motivos, às vezes aparentemente altos e significativos, para impedi-los de aparecer e de dizer. A ordem pública, constituída exatamente na base da participação - na possibilidade do aparecer e do dizer - de cada um e de cada uma, é invocada como impedimento para que esses "uns" que, por motivo justo se rebelam contra ela, dela tomem parte, aparecendo e dizendo. É o fim da ordem pública! É o fim do Estado de Direito!
Ora, um Estado de Direito que, em nome do Direito declara que cidadãos que dele participam, por se rebelarem contra a injustiça, deixam de ter a proteção do Direito e a condição de sujeitos de direitos é contraditoriamente um estado de não-Direito, sinônimo de autoritarismo. O autoritarismo vem revestido de ação democrática: o melhor a fazer com este tipo de gente, em nome da democracia, é afastá-lo da convivência democrática (mais que criminalizando sua atuação, desmoralizando sua causa).
Infelizmente assistimos a este tipo de posição nos discursos replicados contra as mobilizações de sem terra, de mulheres, de negros, de pessoas com deficiência, de indígenas, de pobres. Esse tipo de gente, até é gente, contanto que fique quieto, que não apareça. Quando resolve aparecer para cobrar a justiça e a igualdade propalada pela ordem, já não podem ser reconhecidos como "humanos direitos". Sentados em nossas confortáveis poltronas cidadãs nem precisamos tapar nossos ouvidos ou sujar nossas consciências - e muito menos nossas mãos - os encarregados de manter a ordem, de fazer cumprir a lei, que cuidem disso. Até quando continuaremos nos reconhecendo cidadãos deixando de reconhecer a cidadania dos outros!?

*Professor de filosofia no IFIBE e coordenador nacional de formação do MNDH


15 de outubro de 2007

As palavras bondosas nos dão vida nova, porém as palavras cruéis desanimam a gente.”

Ao retornar para casa, vindo do trabalho, decidi passar pelo supermercado. Caminhei as últimas quadras. Já era noite. Quando passei ao lado de uma banca de revistas, coloquei as sacolas no chão e descansei um pouco.
Ao lado da banca, observei um homem que dobrava caixas de papelão. Depois, com cuidado, ele as empilhava na sua carroça. Presenciei então um rápido diálogo. Alguém, que havia comprado uma revista, dirigiu-se ao carroceiro e lhe disse: “Seu cavalo é muito bonito!” O carroceiro suspendeu, por instantes, seu trabalho. “Muito obrigado!”, respondeu ele. Quando recomeçou seu trabalho, comentou, mais para si e para o seu cavalo: “Poxa, este é o primeiro elogio que recebo hoje!”Peguei as sacolas e continuei meu caminho para casa. Em meus pensamentos, várias reações brotavam das palavras do carroceiro. Confesso que elas me impressionaram.“Que dia, o deste homem!”, pensei. “Trabalhou o dia inteiro, sem nenhuma palavra de estímulo”. “Bem”, respondi a mim mesmo, “ao menos ele não vai dormir tão amargurado.
O elogio lhe fez bem.”Pouco depois, me dei conta de algo que me fez parar a caminhada, para organizar melhor minhas idéias. E uma grande tristeza tomou conta de mim. “Pensando bem, o elogio não havia sido dado ao carroceiro. O elogiado foi o cavalo!”. O elogio “indireto”, que o carroceiro tomou para si, foi por tratar bem do cavalo. E este já lhe bastou. Foi nele que se agarrou, para tornar a vida mais amena.Na manhã de ontem vivi uma situação bem diferente. Um colega de trabalho me procurou.
Em meio ao bom diálogo que tivemos, ele comentou: “Uma palavra que o Fulano me disse ontem me fez muito bem. Hoje o meu dia de trabalho vai render muito mais!”Elogios, estímulos, palavras de apoio... Como são raros! E como ajudam! E, se gestos e palavras de estímulo ajudam tanto, por que são tão raros, inclusive em nossos relacionamentos? Por que é tão difícil mostrar gratidão? Por que preferimos cobrar o que ainda não foi feito a agradecer pelo trabalho que já está concluído? Quantas pessoas com as quais convivemos – em casa, na comunidade, no trabalho – precisam agarrar-se a elogios indiretos, como o fez este carroceiro, para aumentar ao menos um pouco a sua auto-estima!
Elogiemos, sim, o cavalo bonito, o jardim bem florido, o carro bem cuidado, a casa limpa, o trabalho bem executado... mas não deixemos de animar, em palavra e ação, as pessoas com as quais Deus tece nossas vidas.

“As palavras bondosas nos dão vida nova, porém as palavras cruéis desanimam a gente” (Provérbios 15.4 – A Bíblia na Linguagem de Hoje).

Edson Edilio Streck

13 de outubro de 2007

Às vezes eu me pego surpreendida com tanta vida que brota de dentro de mim.

Hoje acordei com vontade de tudo e de muito!

Será um ótimo sábado, espero que do Ale também...

Organização, pequenas faxinas, saidinha a tarde pra visitar a mamãe e a noite eu e Ale faremos um ótimo programa a dois.

Ah! Amanhã, domingo, eu e Ale completamos 8 anos juntos... Que alegria!

Me sinto feliz por isso, sinto-me como se tivesse completado uma prova de atletismo (rsrs). Foram tantas dificuldades para estarmos juntos, que a sensação é bem essa... Cansaço no final do percurso mas alegria imensa de o ter realizado!

Ontem a Janice deu sinal de vida, respondeu a minha mensagem de "Feliz Dia da Criança", risosss! Perdeu o churrasco viu, estava ótimo, nos divertimos muito... Chegamos em casa às 3h30 da madruga!!!!

É isso, bom findi pro' céis!



Carta do Dia da Criança Inteligente

Welton Oda*

Brasil, 12 de outubro de 2007.
Filho,
Este será o primeiro ano em que não compraremos presentes para você no Dia das Crianças. Resolvemos te escrever esta carta para que você entenda nossas razões. Não vamos alegar que estamos sem dinheiro, que não deu tempo pra passar no shopping ou usar qualquer outra desculpa. Vamos ter contigo a consideração que os amigos têm uns pelos outros e te contar a verdade.
Um dia, ao ler o livro de um amigo nosso, o Rubem Alves (que é, pra nós, como um daqueles seus amigos de livros, tipo o Menino Maluquinho, que você nunca viu pessoalmente), fomos despertados por uma frase sua: "Cuidado com os brinquedos comprados prontos, eles podem emburrecer".
(Pausa para meditação)
Ah! Sim, filho. Talvez tenhamos que te dizer o que é meditação. Meditar é pensar, refletir.
Já refletiu? Então vamos lá! Pois é, aí nos lembramos daqueles teus dois coleguinhas que você diz que não sabem brincar com ninguém e vivem brigando com todo o mundo. Já reparou que eles sempre trazem um brinquedinho novo pra escola? Devem ter uma tonelada de brinquedos em casa, né?
Pensamos: será que o velho Rubem tem razão? Claro que não é só isso. Já reparou como eles ficam vidrados na frente de uma televisão? Nem piscam, né? Se for Xou da Bruxa então... Talvez você nos perguntasse se é por isso que eles ficaram burros?? Então te diríamos: Sei lá! Que é que tu achas? Mas..., vamos continuar, queremos ainda te dizer mais uma coisa.
É o seguinte: não vamos ficar com papo-mole, com o papinho romantiquinho de "preserve a natureza" da tiazinha da escolinha, porque sabemos que tem umas coisas que tu sacas muito bem, mas... Já tem muito plástico no planeta, já percebeste? Entupindo bueiros, "encapando" o leito dos rios, contribuindo pra piorar as enchentes. Tem até umas campanhas pra convencer as pessoas a usarem menos sacolas plásticas. Passou até nestas grandes redes de TV. Pois é, pra ti ver, se até eles transmitiram, é porque o negócio tá brabo mesmo, né?
É, mermão! Sabemos que você vai ser nosso companheiro nesta luta, como sempre esteve conosco em tantas outras, sabemos que vai apoiar sempre quem está preocupado em viver num ambiente mais agradável, mais sadio. Então, vamos consumir menos plástico, dar menos dinheiro a estes capitalistas selvagens, ser menos "iguais aos outros". Vamos nos dar de presente uns aos outros e andar de bicicleta, jogar bola, chamar seus amigos, bagunçar a casa toda, pintar garatujas no muro, apertar a campainha do vizinho e sair correndo, nadar no igarapé, andar de barco, plantar bananeira, comer carambola, ir ao cinema.
Vamos viver intensamente o Dia da Criança Inteligente!
* Com afeto, seus pais,Mônica Colares e Welton Oda


* Colaborador da Rádio Comunitária "A Voz das Comunidades", membro do Núcleo Comunitário Sophia e professor da Universidade Federal do Amazonas

10 de outubro de 2007

A perfeita alegria

Maria Clara Lucchetti Bingemer *

A alegria anda desaparecida dos lábios e corações humanos. É tão triste e desolador o panorama mundial; tão insana a luta diária pela sobrevivência e o ganho suado do pão de cada dia. É tão decepcionante todo o esforço contínuo e diuturno por relações humanas que se revelarão na próxima esquina traidoras, desonestas, infrutíferas. É tanto e tudo e mais, que a alegria pura, que jorra com frescor e transparência parece distante, longínqua e mesmo inalcançável.
No dia 4 de outubro celebrou-se a festa de um santo que nos ensina que a alegria - esse artigo raro - pode ser encontrada bem perto, mesmo ao lado. Francisco de Assis, burguês filho de rico comerciante, despiu-se um dia em plena praça para declarar seu amor a Jesus Cristo. E desde aí empreendeu um caminho que o levou aos braços da verdadeira alegria. Alegre e maravilhado com a vida, seu testemunho fala alto ainda hoje aos homens e mulheres do novo milênio.
Um dia Francisco deu a um leproso uma esmola e um beijo. Essa doação dos bens e dos afetos introduziu-o como noviço na escola da perfeita alegria que, no entanto, o levaria por caminho bem diferente daquilo que a lógica humana entende.
Seus sentidos e sua corporeidade afinavam-se à beleza do criado de maneira a sentir-se irmão de tudo e de todos. Vivendo uma fraternidade universal, Francisco apaixonava-se por tudo o que existia e respirava: do lobo ao cordeiro, da água à terra, da vida à morte. Seu olhar maravilhado transformava em canto de louvor toda experiência de vida por mais simples que fosse. Tudo se transfigurava e se revelava grávido do Espírito divino diante de seu coração extasiado.
Por outro lado, seu desejo crescia em ardor e intensidade pela pobreza que o despojava paulatina e radicalmente de toda posse e todo bem. Sedutora como uma bela mulher, a Dama Pobreza conduzia suavemente Francisco em seu caminho descendente de despojamento até chegar ao fundo mais profundo da condição humana, onde o esperava o rosto de seu Senhor feito pobre com os pobres em sua Encarnação e Cruz.
Assim é que a vida de Francisco foi marcada por várias rupturas: era rico e rompeu com a riqueza; rompeu com o pai para viver desatado de todos os laços, mesmo os mais legítimos; rompeu com o orgulho e a avareza, para assumir um modo de vida fundamentado na caridade e na humildade. Em um mundo hierárquico, propôs uma solidariedade horizontal na mais absoluta simplicidade.
E foi aí neste "não ter" nem "ser" nada neste mundo que Francisco encontrou a alegria. Seria doente? Masoquista? Louco? Parece que não, pois até hoje não apareceu sobre a terra homem mais alegre do que Francisco de Assis. Todas essas rupturas, Francisco as fez para abraçar um grande amor. Seu grande amor era Jesus, por quem o Pobrezinho de Assis se apaixonou de tal maneira que terminou por assemelhar-se a ele inclusive nas chagas da Paixão.
A Frei Leão, ensinando o que era a perfeita alegria, Francisco mostrou o caminho da caridade humilde que "tudo crê, tudo espera e tudo suporta". A única tristeza de sua vida era que o Amor não era amado. Para amar esse que é a fonte do Amor, Francisco a tudo deixou e com tudo rompeu. Ao final desse caminho, esperava-o a comunhão maravilhada com toda a criação. E também a perfeita alegria de saber que a pobreza, a humildade e a caridade em meio a todas as tribulações são o que realmente torna o ser humano livre. Desta liberdade feita de renúncia a tudo que não seja Deus jorra a perfeita alegria, que nada nem ninguém pode extirpar.
Que Francisco de Assis, homem do milênio, nos ensine a construir um mundo feito desta alegria livre e apaixonada, fruto de despojamento, sobriedade, simplicidade e capacidade sem fim de maravilhar-se.


[Autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor" (Ed. Rocco). www.users.rdc.puc-rio.br/agape]
* teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio

9 de outubro de 2007

O senador imexível

Frei Betto*

"Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?", indaga Marco Túlio Cícero, referindo-se ao senador Lúcio Sérgio Catilina, a 8 de novembro de 63 a.C., em Roma. Flagrado em atitudes criminosas, Catilina se recusa a renunciar ao mandato, urdindo um golpe contra o Senado.
Cícero, orador emérito, respeitado por sua conduta ética na política e na vida pessoal, põe em sua boca a indignação popular: "Por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos?"
"Ó tempos, ó costumes!", exclama Cícero movido por sua atormentada perplexidade diante da insensibilidade do acusado. "Que há, pois, ó Catilina, que ainda agora possas esperar, se nem a noite, com suas trevas, pode manter ocultos os teus criminosos conluios; nem uma casa particular pode conter, com suas paredes, os segredos da tua conspiração; se tudo vem à luz do dia, se tudo irrompe em público?"
Jurista, Cícero se esforça para que Catilina admita os seus graves erros: "É tempo, acredita-me, de mudares essas disposições; desiste das chacinas e dos incêndios. Estás apanhado por todos os lados. Todos os teus planos são para nós mais claros que a luz do dia."
Se Catilina permanece no Senado, não é apenas a vontade própria que o sustenta, mas sobretudo a cumplicidade dos que teriam a perder, com a renúncia dele, proveitos políticos. Daí a exclamação de Cícero: "Em que país do mundo estamos nós, afinal? Que governo é o nosso?"
Cícero não teme ameaças e expressa o que lhe dita o decoro: "Já não podes conviver por mais tempo conosco; não o suporto, não o tolero, não o consinto. (…) Que nódoa de escândalos familiares não foi gravada a fogo na tua vida? Que ignomínia de vida particular não anda ligada à tua reputação? (…) Refiro-me a fatos que dizem respeito, não à infâmia pessoal dos teus vícios, não à tua penúria doméstica e à tua má fama, mas sim aos superiores interesses do Estado e à vida e segurança de todos nós."
Os crimes de Catilina escancaram-se à nação. Seus próprios pares o evitam, como assinala Cícero: "E agora, que vida é esta que levas? Desejo neste momento falar-te de modo que se veja que não sou movido pelo rancor, que eu te deveria ter, mas por uma compaixão que tu em nada mereces. Entraste há pouco neste Senado. Quem, dentre esta tão vasta assembléia, dentre todos os teus amigos e parentes, te saudou? Se isto, desde que há memória dos homens, a ninguém aconteceu, ainda esperas que te insultem com palavras, quando te encontras esmagado pela pesadíssima condenação do silêncio?".
Catilina finge não se dar conta da gravidade da situação. Faz ouvidos moucos, jura inocência, agarra-se doentiamente a seu mandato. "Se os meus escravos me temessem da maneira que todos os teus concidadãos te receiam" - brada Cícero -, "eu, por Hércules, sentir-me-ia compelido a deixar a minha casa; e tu, a esta cidade, não pensas que é teu dever abandoná-la? E se eu me visse, ainda que injustamente, tão gravemente suspeito e detestado pelos meus concidadãos, preferiria ficar privado da sua vista a ser alvo do olhar hostil de toda a gente; e tu, apesar de reconheceres, pela consciência que tens dos teus crimes, que é justo e de há muito merecido o ódio que todos nutrem por ti, estás a hesitar em fugir da vista e da presença de todos aqueles a quem tu atinges na alma e no coração?".
Cícero não demonstra esperança de que seu libelo seja ouvido: "Mas de que servem as minhas palavras? A ti, como pode alguma coisa fazer-te dobrar? Tu, como poderás algum dia corrigir-te?" E não poupa os políticos que, apesar de tudo, apóiam Catilina: "Há, todavia, nesta Ordem de senadores, alguns que, ou não vêem aquilo que nos ameaça, ou fingem ignorar aquilo que vêem".
Catilina acaba se refugiando na Etrúria e morre em 62 a.C.. Cícero, afastado do Senado por Júlio César, é assassinado em 43 a.C.


[Autor, em parceria com Mario Sergio Cortella, de "Sobre a esperança" (Papirus), entre outros livros].
*Frei dominicano.

8 de outubro de 2007

Comece...

"Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o impossível."

6 de outubro de 2007

Alice e nós

Alice estava desnorteada, e encontrando um gato sentado sobre o galho de uma árvore, perguntou-lhe:

O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho tomar para sair daqui?

Isso depende muito de onde você quer ir... – respondeu o gato com um sorriso enigmático de orelha a orelha.

Não me importa muito para onde... – afirmou Alice.

O felino sentenciou: - Então não importa o caminho que você escolher. Para quem não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.

Às vezes nos sentimos assim, sem rumo... Mas de qulaquer forma, quem já não teve a vontade de sair sem rumo, de ver qual é?
Bom findi!

5 de outubro de 2007

A DOR QUE DÓI MAIS

Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dóem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Dóem essas saudades todas. Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.

Martha Medeiros

4 de outubro de 2007

É hora de abolir a pena de morte em todo o mundo

IPS*

Por Desmond Tutu - Arcebispo anglicano de Cidade do Cabo e ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1984.

Em grande parte do século XX a maioria das nações do mundo aplicou a pena de morte. Mas, na medida em que se aproximava o milênio muitas sociedades questionaram a presunção de que matar seus concidadãos através do sistema judiciário servisse para concretizar objetivos positivos. Alegra-me que a pena de morte esteja sendo eliminada do planeta. Como cristão, cujo sistema de crenças está baseado no perdão, penso que a pena de morte é inaceitável. Cento e trinta países de todas as regiões do mundo aboliram a pena de morte, legalmente ou na prática. Desde 1990, 50 países aboliram a pena capital para todos os crimes. No ano passado, somente 25 países realizavam execuções, seis deles na África.
É tamanho o sentimento mundial contra a pena de morte, com algumas exceções notáveis como Estados Unidos, China, Cingapura e outros, que uma resolução para exigir uma moratória das execuções e a abolição desse castigo será apresentada na Assembléia Geral neste mês. A comunidade mundial dará, então, seu parecer sobre a moralidade desta punição. Como um opositor da pena de morte, experimentei o horror de estar perto de uma execução. Não somente na época do apartheid na África do Sul, quando meu país tinha uma das taxas de execuções mais altas do mundo, mas também em outras nações.
Fui testemunha das condições que se fala das vítimas da pena de morte das quais as autoridades jamais falam: Os familiares dos condenados. Recordo os país de Napoleón Beazley, um jovem afro-norte-americano condenado no Texas depois de um julgamento contaminado de racismo. Sua dor era mais evidente na medida em que se aproximava a morte de seus filhos nas mãos de um Estado para o qual eles contribuem com o pagamento de impostos. Pude apenas imaginar o insuportável padecimento emocional pelo que passaram quando tiveram que dar o último adeus ao seu filho antes da execução.
Quem apóia a pena de morte costuma perguntar "o que diria se seu filho fosse assassinado?", que é uma pergunta natural. A raiva é uma reação natural diante do homicídio sofrido por uma pessoa amada e um desejo de vingança é compreensível. Mas, o que ocorre se a pessoa condenada à morte é seu filho. Ninguém cria seus filhos para que sejam assassinos; mas, alguns pais sofrem a pena de saber que seus filhos serão executados. Em 1988, os pais que estavam à espera de padecer a pena capital na África do Sul escreveram ao presidente do país dizendo: "Ser mãe ou pai e ver como seu filho está atravessando este inferno em vida é um tormento mais doloroso que ninguém pode imaginar".
Não devemos colocar nessa situação os filhos e filhas, os pais e mães de nossos próximos. Porque isso é infligir-lhes horrorosos e inaceitáveis sofrimentos. As represálias, os ressentimentos e a vingança nos deixaram um mundo banhado no sangue de muitos de nossos irmãos e irmãs. A pena de morte é parte deste processo, no qual se diz ser aceitável matar em determinadas circunstancias e se estimula a doutrina da vingança. Se queremos romper estes ciclos devemos eliminar a violência sancionada pelo Estado. Chegou a hora de abolir a pena de morte em todo o mundo.
A causa da abolição se torna cada vez mais irresistível a cada ano que passa. Em todos os lados a experiência nos mostra que as execuções são uma brutalidade tanto para os que estão implicados no processo quanto para a sociedade que as pratica. Por outro lado, em nenhuma parte do mundo se viu a pena de morte reduzir os crimes ou a violência política. Em uma nação após outra, é usada desproporcionalmente contra os pobres ou contra minorias raciais ou étnicas. Também é freqüentemente utilizada como uma ferramenta de repressão política e imposta de forma arbitrária. Trata-se de um castigo irrevogável que costuma ser aplicado a pessoas inocentes de qualquer crime. É, sobretudo, uma violência de direitos humanos fundamentais.


(Envolverde/ IPS)


*Inter Press Service

Religião e teorias do "Tudo"

Leonardo Boff*

Há um anseio irreprimível no espírito humano por uma visão total e por uma ordem que permanece mesmo dentro das desordens que constatamos. Concretamente vivemos no fragmento. Mas o que buscamos, na verdade, é o Todo. Os grandes sistemas religiosos e filosóficos procuram construir visões totalizantes do ser, de sua origem, de seu devir e de sua plena manifestação.
A ciência moderna não escapa desta insaciável busca. Desde que Newton introduziu a efetiva matematização da natureza surgiu o intento de uma "Teoria de Tudo"(TOE: Theory of Everything), também chamada de "Teoria da Grande Unificação" (TGU), ou a "Teoria-M" (Mater), um quadro geral que abrangesse todas as leis da natureza e que nos brindasse com a explicação final do universo.
Há dois livros clássicos que resumem os caminhos e descaminhos desta questão: o de John D. Barrow, Teorias de Tudo. A busca da explicação final (Zahar1994) e o outro de Abdus Salam, Werner Heisenberg e Paul A. M. Dirac: A Unificação das Forças Fundamentais. O grande desafio da física contemporânea (Zahar1993). Sabemos que os últimos anos de Albert Einstein foram dedicados, quase obsessivamente, a esta questão, sem alcançar nenhum resultado satisfatório. Recentemente a questão foi retomada com especial vigor por Stephen W. Hawking em seu recente livro Uma nova história do tempo (Ediouro 2005).
Logo no início, dá-se conta da dificuldade desta tarefa, pois, consoante a mecânica quântica, o princípio de indeterminação parece ser a marca fundamental do universo assim como o conhecemos. Como enquadrar realidades que são, por princípio. indetermináveis, bifurcáveis e potenciais numa única fórmula? Confessa: "Se realmente descobrirmos uma teoria completa, seus princípios gerais deverão ser, no devido tempo, compreensíveis para todos, e não apenas para uns poucos cientistas. Então, todos nós, filósofos, cientistas e simples pessoas comuns, seremos capazes de participar da discussão de por que é que nós e o universo existimos. Se encontrarmos uma resposta para essa pergunta, seria o triunfo último da razão humana - porque, então, conheceríamos a mente de Deus"(p.145).
A ilusão destas teorias é imaginar que tudo pode ser reduzido à física (clássica ou quântica) e traduzido na linguagem da matemática. A realidade, no entanto, se apóia, sim, na física, mas vai muito além dela. Por isso, John Barrow modestamente reconhece: "Não encontramos nada de matemático com relação a emoções e julgamentos, música e pintura"(p.272).Toda a vida cotidiana, o que move os seres humanos em sua busca de felicidade e em sua tragédia não cabem na concepção física do "Tudo". Pouco se me dá a imensidão dos espaços cósmicos cheios de pó sideral, de grávitons, elétrons, neutrinos e átomos, se meu coração está infeliz por não poder dar amor a quem amo, por ter perdido o sentido da vida e não encontrar consolo junto a Deus.
Aqui outro é o discurso e outros são os especialistas a serem invocados. Destas questões de vida e de morte falam os textos sagrados de todas as religiões e das tradições espirituais. Talvez o místico William Blake (+1827) nos inspire, pois na parte nos faz surpreender o Todo: "ver o mundo num grão de areia / e o paraíso numa flor do campo /segurar o infinito na palma da mão / e a eternidade numa hora".


* Teólogo e professor emérito de ética da UERJ

3 de outubro de 2007

Tradição Judaica

"Quem propaga a maledicência atrai o mal sobre si mesmo."

2 de outubro de 2007

Eu sou...

Porque eu sou tão forte que posso assumir minhas fraquezas.
Sou tão boa que quando má sou melhor ainda.
Sou luz e ausência de claridade.
Sou menina sem perder a responsabilidade e maturidade de uma mulher...
Sou atrapalhada mas sei seduzir
Sou a verdade disfarçada a mentira sincera
Posso ser sua base e sei como abala-la
Sou o romantismo e a modernidade individualista ...
Sou a loucura lúcida destilando toda sua inconseqüência
Sou inocentemente maliciosa... e adoro essa ingenuidade
Sou a flor do campo com espinho no cabo
Desperto os mais sublimes sentimentos e seus terríveis consentimentos
Sou amor e sou desejo... Sou alma e sou corpo
Odeio ficar sozinha mas não há companhia que me agrade
Sou a ferida e o remédio
Sou a beleza destilando seu charme no equivoco dos seus olhos
Sou a timidez extrovertida... e o silencio ininterrupto
Desvio os olhares mas não sou o centro das atenções
Sou a escolha mais lógica e a menos racional
A complicação e a perfeição
Sou o amor, coração, desejo, pele
Fixada ao presente mas nunca deixo de fazer planos para o amanhã
Posso não ser a construção do belo mas sei espalhar beleza
Tão altruísta que ao dizer isso me sinto muito egoísta
Sou a princesa plebéia
Sou a saudade no olhar, a distancia necessária... sou perdidamente encontrável
Sou manipulável e manipulada...
Adoro as diferenças do mundo e odeio o que elas causam
Adoro ser um mistério... adoro mais quando alguém o decifra...ai ai
Adoro o colorido, o preto e branco e o púrpura...
Sou a felicidade triste e a tristeza mais feliz já existente
Sou a vida induzida, a bagunça organizada
O seu perdão e sua condenação
Sou a companhia agradável no fim de tarde... e a pior pessoa pela manhã...
Sou o carinho gélido
A covinha no sorriso
Sou a lealdade nata descontraída na incerteza do pérfido
Sou a inconstância perseverante
Sou dominante e dominada
Sou calmaria, sou fera
Sou olhar doce misturado com a inquietude
Posso ser o certo e o imperfeito
O horizonte seguro na inconstância do meu ser
A personalidade formada totalmente indutiva
Sou eu assim na diversidade das minhas próprias palavras e na limitação das mesmas!



1 de outubro de 2007

Dia de Luz

O despertador toca e você acorda. Abre os olhos e torna a contemplar as mesmas cenas do ontem. Pela sua mente ágil, as dores sofridas passam em cenário cinematográfico. Você sente o corpo dolorido e cansado. Na boca, o gosto da amargura lhe fere o paladar, como gotas de fel.

Novo dia... Contudo, embora a noite de sono, não serão novas as lutas. Os problemas financeiros não se solucionaram no intervalo de algumas horas. A enfermidade que se abateu em seu lar não partiu. Ao contrário, você a sente mais presente do que nunca, nos gemidos que já lhe chegam aos ouvidos. Há que erguer-se do leito e retornar às lutas. A mesma luta. Você sente desânimo e pensa: "por que não me tirou Deus a vida, enquanto dormia? "Sinto-me exausto.não desejo mais sofrer, nem lutar." No entanto, os minutos correm céleres e há que retomar as atividades.

Entre a tristeza e o desalento, você se ergue e abre a janela. Neste instante, o sol lhe bate em cheio na face e inunda o seu quarto. Faz-se luz e a luz espanca as trevas. É novo dia, informa-lhe o sol. Há alegrias no ar; cantam os pássaros. A brisa da manhã o envolve e a natureza toda o convida a reformular suas disposições íntimas. Pare um instante. Encha com o ar renovado da manhã os seus pulmões. Respire profundamente. Contemple o azul do céu e dirija ao Criador a sua prece. Prece de gratidão por mais um dia na carne. Em vez de rogar a Deus que lhe tire do corpo, rogue-Lhe forças para o combate. É dia novo. Você não pode imaginar o que a Divindade lhe reservou para hoje. Pense em quantas pessoas almejariam estar em seu lugar, agora.

Enfermidade, dor, desemprego são problemas a serem administrados e equacionados, ao longo da existência. Recorde que a divindade lhe providenciou um dia de luz para você treinar, outra vez, disciplina, paciência, perdão. Não perca a oportunidade. Não jogue fora as chances de crescimento e resgate. E hoje, enquanto você sofre, luta e espera, alegre-se com os sons da vida, com o sorriso das crianças, com o colorido da natureza que o pai dispôs especialmente para você. Sorria. As lutas poderão ser semelhantes, mas não idênticas. Porque dia como este nunca houve e não haverá outra vez.

Deus não se repete.

Detenha-se a descobrir detalhes e observe a riqueza que o circunda.

Amigos, colegas, brincadeiras, abraços. Nada será igual ao que já foi.

Desfrute deste dia integralmente, porque dia igual a este só se vive uma vez.

Cada dia é bênção nova. Cada minuto é oportunidade espontânea de crescimento...