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21 de dezembro de 2007

Para que este Natal seja novo e feliz

Marcelo Barros*

É bom se entender sobre o que desejamos uns aos outros, quando expressamos nossos votos de Feliz Natal. As comunidades cristãs fazem memória do nascimento de Jesus para celebrar como acontecimento atual a presença divina no mundo. Neste contexto, o Natal é uma celebração que não apenas repete um aniversário e sim atualiza um mistério: na pessoa de Jesus de Nazaré, Deus assume, hoje, a humanidade e a diviniza. Para tantas outras pessoas que se dizem Feliz Natal sem referência explícita ao nascimento de Jesus e sem celebração religiosa, o desejo é que a alegria e a paz proclamada pelos céus se atualizem gratuitamente para todo universo.
Neste mundo em que convivem pessoas de tantas culturas diferentes e no qual o elemento religioso ainda é motivo de conflito e provoca guerras, a graça do Natal é valorizar o caminho que tantos grupos e organizações civis fazem para tornar este mundo um grande presépio, no qual a fragilidade do ser humano seja revestida pela força do amor divino. Esta revelação de que todos os seres humanos, cada qual em seu caminho próprio e do seu modo, têm esta vocação de conceber no intimo do seu ser a divindade dá um caráter sagrado a todas as culturas, chamadas a dialogar, às religiões que, em sua diversidade, podem se complementar e mesmo à vida cotidiana que pode perder a cor da monotonia pelo anúncio de que algo de novo está nascendo. A própria troca de presentes e de votos de feliz Natal revela uma sociedade, na qual os gestos de delicadeza e relação humana ainda encontram sentido.
Em países como Costa de Marfim, muçulmanos celebram o Natal com os cristãos, assim como, no final do Ramadam, os cristãos vão à mesquita para participar da festa com os irmãos do Islã. A sociedade multi-cultural não se constrói pela abolição das particularidades próprias de cada cultura e sim pela possibilidade destas valorizarem umas às outras e conviverem em paz.
Em cada Natal, cristãos e não cristãos podem ver em Maria grávida de Jesus, a figura de toda mulher que, em nossos dias, se abre com confiança ao mistério da vida e, mesmo em situações difíceis e contraditórias, percebe no silêncio e na escuta da história o sopro do Espírito. A parábola de José que recebe em sonhos o aviso de Deus sobre sua vocação de guardião do filho de Deus nos confirma: todos nós podemos interpretar o futuro a partir dos pequenos sinais de que a história pode mudar e dar espaço a uma vida nova.
Neste Natal, seja você quem for, o melhor presente que pode se dar a si mesmo e aos outros é colocar-se na pele dos pobres pastores de Belém que receberam a visita dos anjos anunciadores da paz e da salvação. Em meio às violências cotidianas do mundo, podemos pastorear a vida e construir a paz. Para isso, às vezes, precisamos estar dispostos a caminhar, mesmo quando a viagem é longa e cansativa até o presépio onde nos espera o mistério.
O conto simbólico dos astrólogos que a devoção popular chama de reis magos nos revela a missão dos intelectuais que assumem a condição humilde de quem procura, aprendem a interpretar o que, hoje, a natureza nos diz e se deixam guiar, enamorados, pela estrela guia.
Alguns grupos espiritualistas valorizam muito a figura dos anjos, novamente, em moda. O termo grego anjo significa mensageiro. Até Jesus Cristo, como enviado do Pai, recebe este nome. Nós todos somos anjos uns para os outros, quando cuidamos das feridas uns dos outros, como fez o anjo Rafael com Tobias e acolher em nossos joelhos tantos Cristos pregados nas cruzes que, a cada dia, o mundo inventa e recria. Natal é boa ocasião para agradecer a cada pessoa ao nosso lado que, durante todo este ano, foi um verdadeiro anjo da guarda e nos defendeu das mesquinharias do dia a dia.
Finalmente, na história que o evangelho conta do Natal, o que sempre me surpreende não é apenas o esplendor e a beleza do que foi anunciado. Crer que, no meio da noite escura, o céu pode se encher de luz e a tristeza dos pastores cansados pode dar lugar à alegria de participar do cântico dos anjos é sempre um desafio. Mas, o mais difícil mesmo é reconhecer na figura marginal da criança que jaz no presépio a luz do amor divino. Tudo o que os pastores encontram é uma família paupérrima de migrantes sem teto que acalentam seu filho recém-nascido em uma estrebaria.
No Mosteiro de Goiás, em cada celebração da noite do Natal, quando os jovens fazem um presépio vivo, eu me comovo ao ver a criança recém-nascida que eles trazem para fazer o papel do menino Jesus no presépio. Aquela criança pobre não é apenas um ator. É o sinal vivo da presença permanente de Deus nos mais frágeis e pequeninos. Mas, afinal, aquela criança que, no meio da noite, dorme tranqüila no presépio e nem sabe que é o centro de uma celebração de Natal, não é um pouco a imagem de todos nós, no presépio do mundo?
Neste Natal, o Espírito de amor salva a criança que dorme no mais íntimo de cada um/uma de nós e nos chama a peregrinar até este presépio secreto de nossa vida, no qual podemos, novamente, refazer as brincadeiras de criança, recitar poesias e nos maravilhar com as histórias de amor das quais nós mesmos somos protagonistas.
Os desafios do cotidiano continuam duros. É preciso crer nos que cantam a paz e não nos que querem destruir o que de novidade índios, lavradores e seus aliados estão realizando na Bolívia, Venezuela, Equador e em todo o nosso continente. Quem escuta mais profundamente a palavra do Natal adere ao apelo profético de Dom Luiz Cáppio para salvar o rio São Francisco e espera que, em meio às políticas neo-liberais que transformam o Brasil em um imenso canavial, para produzir Etanol, os pobres de hoje continuem escutando o cântico do céu e o grito da terra e se mobilizem para que, em meio à noite, uma vida nova possa surgir.
A vocês todos, feliz Natal.


*Monge beneditino, teólogo e escritor. Tem 30 livros publicados.

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21 de dezembro de 2007

Para que este Natal seja novo e feliz

Marcelo Barros*

É bom se entender sobre o que desejamos uns aos outros, quando expressamos nossos votos de Feliz Natal. As comunidades cristãs fazem memória do nascimento de Jesus para celebrar como acontecimento atual a presença divina no mundo. Neste contexto, o Natal é uma celebração que não apenas repete um aniversário e sim atualiza um mistério: na pessoa de Jesus de Nazaré, Deus assume, hoje, a humanidade e a diviniza. Para tantas outras pessoas que se dizem Feliz Natal sem referência explícita ao nascimento de Jesus e sem celebração religiosa, o desejo é que a alegria e a paz proclamada pelos céus se atualizem gratuitamente para todo universo.
Neste mundo em que convivem pessoas de tantas culturas diferentes e no qual o elemento religioso ainda é motivo de conflito e provoca guerras, a graça do Natal é valorizar o caminho que tantos grupos e organizações civis fazem para tornar este mundo um grande presépio, no qual a fragilidade do ser humano seja revestida pela força do amor divino. Esta revelação de que todos os seres humanos, cada qual em seu caminho próprio e do seu modo, têm esta vocação de conceber no intimo do seu ser a divindade dá um caráter sagrado a todas as culturas, chamadas a dialogar, às religiões que, em sua diversidade, podem se complementar e mesmo à vida cotidiana que pode perder a cor da monotonia pelo anúncio de que algo de novo está nascendo. A própria troca de presentes e de votos de feliz Natal revela uma sociedade, na qual os gestos de delicadeza e relação humana ainda encontram sentido.
Em países como Costa de Marfim, muçulmanos celebram o Natal com os cristãos, assim como, no final do Ramadam, os cristãos vão à mesquita para participar da festa com os irmãos do Islã. A sociedade multi-cultural não se constrói pela abolição das particularidades próprias de cada cultura e sim pela possibilidade destas valorizarem umas às outras e conviverem em paz.
Em cada Natal, cristãos e não cristãos podem ver em Maria grávida de Jesus, a figura de toda mulher que, em nossos dias, se abre com confiança ao mistério da vida e, mesmo em situações difíceis e contraditórias, percebe no silêncio e na escuta da história o sopro do Espírito. A parábola de José que recebe em sonhos o aviso de Deus sobre sua vocação de guardião do filho de Deus nos confirma: todos nós podemos interpretar o futuro a partir dos pequenos sinais de que a história pode mudar e dar espaço a uma vida nova.
Neste Natal, seja você quem for, o melhor presente que pode se dar a si mesmo e aos outros é colocar-se na pele dos pobres pastores de Belém que receberam a visita dos anjos anunciadores da paz e da salvação. Em meio às violências cotidianas do mundo, podemos pastorear a vida e construir a paz. Para isso, às vezes, precisamos estar dispostos a caminhar, mesmo quando a viagem é longa e cansativa até o presépio onde nos espera o mistério.
O conto simbólico dos astrólogos que a devoção popular chama de reis magos nos revela a missão dos intelectuais que assumem a condição humilde de quem procura, aprendem a interpretar o que, hoje, a natureza nos diz e se deixam guiar, enamorados, pela estrela guia.
Alguns grupos espiritualistas valorizam muito a figura dos anjos, novamente, em moda. O termo grego anjo significa mensageiro. Até Jesus Cristo, como enviado do Pai, recebe este nome. Nós todos somos anjos uns para os outros, quando cuidamos das feridas uns dos outros, como fez o anjo Rafael com Tobias e acolher em nossos joelhos tantos Cristos pregados nas cruzes que, a cada dia, o mundo inventa e recria. Natal é boa ocasião para agradecer a cada pessoa ao nosso lado que, durante todo este ano, foi um verdadeiro anjo da guarda e nos defendeu das mesquinharias do dia a dia.
Finalmente, na história que o evangelho conta do Natal, o que sempre me surpreende não é apenas o esplendor e a beleza do que foi anunciado. Crer que, no meio da noite escura, o céu pode se encher de luz e a tristeza dos pastores cansados pode dar lugar à alegria de participar do cântico dos anjos é sempre um desafio. Mas, o mais difícil mesmo é reconhecer na figura marginal da criança que jaz no presépio a luz do amor divino. Tudo o que os pastores encontram é uma família paupérrima de migrantes sem teto que acalentam seu filho recém-nascido em uma estrebaria.
No Mosteiro de Goiás, em cada celebração da noite do Natal, quando os jovens fazem um presépio vivo, eu me comovo ao ver a criança recém-nascida que eles trazem para fazer o papel do menino Jesus no presépio. Aquela criança pobre não é apenas um ator. É o sinal vivo da presença permanente de Deus nos mais frágeis e pequeninos. Mas, afinal, aquela criança que, no meio da noite, dorme tranqüila no presépio e nem sabe que é o centro de uma celebração de Natal, não é um pouco a imagem de todos nós, no presépio do mundo?
Neste Natal, o Espírito de amor salva a criança que dorme no mais íntimo de cada um/uma de nós e nos chama a peregrinar até este presépio secreto de nossa vida, no qual podemos, novamente, refazer as brincadeiras de criança, recitar poesias e nos maravilhar com as histórias de amor das quais nós mesmos somos protagonistas.
Os desafios do cotidiano continuam duros. É preciso crer nos que cantam a paz e não nos que querem destruir o que de novidade índios, lavradores e seus aliados estão realizando na Bolívia, Venezuela, Equador e em todo o nosso continente. Quem escuta mais profundamente a palavra do Natal adere ao apelo profético de Dom Luiz Cáppio para salvar o rio São Francisco e espera que, em meio às políticas neo-liberais que transformam o Brasil em um imenso canavial, para produzir Etanol, os pobres de hoje continuem escutando o cântico do céu e o grito da terra e se mobilizem para que, em meio à noite, uma vida nova possa surgir.
A vocês todos, feliz Natal.


*Monge beneditino, teólogo e escritor. Tem 30 livros publicados.

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