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27 de novembro de 2007

A espiritualidade no conflito

Antônio Mesquita Galvão*

As pessoas, em geral, têm dificuldade de compreender o sentido da palavra "espiritualidade". E é justamente por causa desse equívoco que não conseguem desenvolver adequadamente um cristianismo eficaz, de acordo com seu estado de vida. Muitos a confundem com "espiritismo" ou "espiritualismo" e apontam para algum modo de vida espiritual, sem saber conceituar nem tampouco ava-liar como se desenvolve esse tipo de vivência. Por ser a espiritualidade uma forma muito rica de relação com Deus, ela aponta para um estilo de vida. De vida cristã.
O grande desafio da espiritualidade cristã é compatibilizar uma vida voltada para os apelos do Espírito na ambigüidade da vida material a que todos estão sujeitos. Não é possível a ninguém, alienar-se de sua vida material, social, pro-fissional, familiar, política, etc. É justamente nessas circunstâncias de nossa existência que devemos nos encontrar com Deus, sem fugir do mundo, mas relacionando-nos com o Infinito conforme nosso estado de vida. Reside aí o de-safio: viver uma vida cristã, espiritualizada e voltada para o alto, sem furtar-se à vida material e à dimensão sócio-fraterna inerente a esse tipo de vida.
É fundamental que se insista na necessidade que os cristãos têm, cada vez mais, de descobrirem eles próprios os caminhos de sua espiritualidade, de a-cordo com a forma de vida abraçada por cada um, sem que um queira viver em sua vida o tipo de espiritualidade do outro, ou simplesmente se omitindo. Deus quer que eu me envolva com ele, sem, no entanto, fechar os olhos à injustiça que sofre o irmão, o vizinho, o companheiro de caminhada. Essa opressão é uma tônica gritante fora do âmbito das grandes capitais do Sul-Sudeste. Em tudo ocorrem conflitos e desacertos. Na psicologia, vemos conflito, segundo as teorias behavioristas, como um "estado provocado pela coexistência de dois es-tímulos que disparam reações mutuamente excludentes". Simplificando, há quem defina, igualmente como "profunda falta de entendimento entre duas ou mais partes". A vida humana, e a existência dos cristãos não está imune, ocor-re no meio dos conflitos.
No meio das comunidades, especialmente no interior do país, ocorre a grilagem e o choque com os posseiros, contrastando com o coronelismo, a extração irre-gular de madeira e minérios, a falta de demarcação de terras indígenas, amea-ças ao meio-ambiente, doenças e endemias tropicais, subemprego, violência (e não-raro mortes) contra sindicalistas, líderes comunitários e ministros da Igre-ja. Isto sem falar nos "reflorestamentos" de árvores que só produzem celulose, plantações de maconha, etc. A isto se soma a falta de saneamento básico, um sistema educacional deficiente e famílias que se desestruturam por problemas sociais, econômicos e de migração compulsória. Há, por causa desses conflitos, uma perda de fé e de referenciais humanos.
Tudo deve ter início, a partir da iluminação da fé, pela Palavra de Deus, numa formação bíblica e doutrinária adequada, assim como a descoberta de uma ní-tida consciência crítica, não jungida a outros modelos de vida cristã, mas ade-quados à vida concreta de cada pessoa, conforme sua missão no meio do mun-do. Sendo a espiritualidade a forma como nos relacionamos com Deus, é impor-tante que deixemos de lado certo tipo de cristianismo desvinculado com a vida e o mundo, demasiadamente angelista, sem o compromisso com as transfor-mações que o evangelho de Jesus não cansa de nos exortar.
Toda a religião vivida de modo alienado torna-se alienante, para quem a pratica e para tantos quantos interajam com pessoas que assim atuam. Além disto, a vivência de uma espiritualidade incoerente é capaz de, pelo negativo do teste-munho, desviar muitas pessoas do caminho reto, da amizade com Deus, da Igreja e do serviço aos irmãos. Os profetas davam alento ao povo sofredor por causa da coragem de seu testemunho e de suas denúncias.
Para quem conhece o Brasil fica a constatação da existência de um conflito, entre o ser-cristão de muitos e a figura paulina do "espírito do mundo". O con-flito se instala, muitas vezes, dentro das Igrejas, com motivação político-ideológica, social e por causa da busca da busca de poder, intentada por de-terminados grupos. Para quem, como eu, reside no Sul do país, onde se vive sob o foco de uma religião de corte germânico, burocrática, sacramentalista, demasiadamente hierárquica, que forma uma "Igreja sentada", estática, pouco missionária e, geralmente acomodada, muitas facetas do conflito passam des-percebidas. No Norte e Nordeste do Brasil viver a fé é estar no meio do conflito, pois os obstáculos, como a natureza hostil, as pressões políticas, o descaso ofi-cial e as ameaças dos poderes sociais criam nas pessoas, especialmente po-dres, humildes e sem voz, faz emergir a necessidade de um profetismo militan-te. A convivência com os negros e os índios, cada um segregados à sua manei-ra, a sobrevivência sob o tacão da opressão, seja ela representada pelo patrão, pelo senhor dos engenhos ou do latifúndio, impõe a cada um, certas necessi-dades de viver a fé, de relacionar-se com Deus, organizando-se, fomentando um espírito crítico, sem apelar para a violência e sem a tentação de quebrar os paradigmas da paz e do perdão. A própria Justiça, que em tese deveria ser ce-ga, dispensa a cada grupo um quinhão proporcional a sua representatividade social. Querendo devolver olho-por-olho as injustiças sofridas, muitos abando-nam a fé, por não saberem desenvolver uma "espiritualidade no conflito". Em alguns lugares do Brasil, os crentes vivem uma espiritualidade cômoda, sem riscos; em outros, têm que desenvolvê-la no meio do conflito.
Só uma espiritualidade discernida e orientada pela Palavra é capaz de nortear os rumos de quem insiste em ser cristão e viver sua fé no meio do conflito que, por exemplo, nas regiões mais ínvias, é permanente.

*Doutor em Teologia Moral


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27 de novembro de 2007

A espiritualidade no conflito

Antônio Mesquita Galvão*

As pessoas, em geral, têm dificuldade de compreender o sentido da palavra "espiritualidade". E é justamente por causa desse equívoco que não conseguem desenvolver adequadamente um cristianismo eficaz, de acordo com seu estado de vida. Muitos a confundem com "espiritismo" ou "espiritualismo" e apontam para algum modo de vida espiritual, sem saber conceituar nem tampouco ava-liar como se desenvolve esse tipo de vivência. Por ser a espiritualidade uma forma muito rica de relação com Deus, ela aponta para um estilo de vida. De vida cristã.
O grande desafio da espiritualidade cristã é compatibilizar uma vida voltada para os apelos do Espírito na ambigüidade da vida material a que todos estão sujeitos. Não é possível a ninguém, alienar-se de sua vida material, social, pro-fissional, familiar, política, etc. É justamente nessas circunstâncias de nossa existência que devemos nos encontrar com Deus, sem fugir do mundo, mas relacionando-nos com o Infinito conforme nosso estado de vida. Reside aí o de-safio: viver uma vida cristã, espiritualizada e voltada para o alto, sem furtar-se à vida material e à dimensão sócio-fraterna inerente a esse tipo de vida.
É fundamental que se insista na necessidade que os cristãos têm, cada vez mais, de descobrirem eles próprios os caminhos de sua espiritualidade, de a-cordo com a forma de vida abraçada por cada um, sem que um queira viver em sua vida o tipo de espiritualidade do outro, ou simplesmente se omitindo. Deus quer que eu me envolva com ele, sem, no entanto, fechar os olhos à injustiça que sofre o irmão, o vizinho, o companheiro de caminhada. Essa opressão é uma tônica gritante fora do âmbito das grandes capitais do Sul-Sudeste. Em tudo ocorrem conflitos e desacertos. Na psicologia, vemos conflito, segundo as teorias behavioristas, como um "estado provocado pela coexistência de dois es-tímulos que disparam reações mutuamente excludentes". Simplificando, há quem defina, igualmente como "profunda falta de entendimento entre duas ou mais partes". A vida humana, e a existência dos cristãos não está imune, ocor-re no meio dos conflitos.
No meio das comunidades, especialmente no interior do país, ocorre a grilagem e o choque com os posseiros, contrastando com o coronelismo, a extração irre-gular de madeira e minérios, a falta de demarcação de terras indígenas, amea-ças ao meio-ambiente, doenças e endemias tropicais, subemprego, violência (e não-raro mortes) contra sindicalistas, líderes comunitários e ministros da Igre-ja. Isto sem falar nos "reflorestamentos" de árvores que só produzem celulose, plantações de maconha, etc. A isto se soma a falta de saneamento básico, um sistema educacional deficiente e famílias que se desestruturam por problemas sociais, econômicos e de migração compulsória. Há, por causa desses conflitos, uma perda de fé e de referenciais humanos.
Tudo deve ter início, a partir da iluminação da fé, pela Palavra de Deus, numa formação bíblica e doutrinária adequada, assim como a descoberta de uma ní-tida consciência crítica, não jungida a outros modelos de vida cristã, mas ade-quados à vida concreta de cada pessoa, conforme sua missão no meio do mun-do. Sendo a espiritualidade a forma como nos relacionamos com Deus, é impor-tante que deixemos de lado certo tipo de cristianismo desvinculado com a vida e o mundo, demasiadamente angelista, sem o compromisso com as transfor-mações que o evangelho de Jesus não cansa de nos exortar.
Toda a religião vivida de modo alienado torna-se alienante, para quem a pratica e para tantos quantos interajam com pessoas que assim atuam. Além disto, a vivência de uma espiritualidade incoerente é capaz de, pelo negativo do teste-munho, desviar muitas pessoas do caminho reto, da amizade com Deus, da Igreja e do serviço aos irmãos. Os profetas davam alento ao povo sofredor por causa da coragem de seu testemunho e de suas denúncias.
Para quem conhece o Brasil fica a constatação da existência de um conflito, entre o ser-cristão de muitos e a figura paulina do "espírito do mundo". O con-flito se instala, muitas vezes, dentro das Igrejas, com motivação político-ideológica, social e por causa da busca da busca de poder, intentada por de-terminados grupos. Para quem, como eu, reside no Sul do país, onde se vive sob o foco de uma religião de corte germânico, burocrática, sacramentalista, demasiadamente hierárquica, que forma uma "Igreja sentada", estática, pouco missionária e, geralmente acomodada, muitas facetas do conflito passam des-percebidas. No Norte e Nordeste do Brasil viver a fé é estar no meio do conflito, pois os obstáculos, como a natureza hostil, as pressões políticas, o descaso ofi-cial e as ameaças dos poderes sociais criam nas pessoas, especialmente po-dres, humildes e sem voz, faz emergir a necessidade de um profetismo militan-te. A convivência com os negros e os índios, cada um segregados à sua manei-ra, a sobrevivência sob o tacão da opressão, seja ela representada pelo patrão, pelo senhor dos engenhos ou do latifúndio, impõe a cada um, certas necessi-dades de viver a fé, de relacionar-se com Deus, organizando-se, fomentando um espírito crítico, sem apelar para a violência e sem a tentação de quebrar os paradigmas da paz e do perdão. A própria Justiça, que em tese deveria ser ce-ga, dispensa a cada grupo um quinhão proporcional a sua representatividade social. Querendo devolver olho-por-olho as injustiças sofridas, muitos abando-nam a fé, por não saberem desenvolver uma "espiritualidade no conflito". Em alguns lugares do Brasil, os crentes vivem uma espiritualidade cômoda, sem riscos; em outros, têm que desenvolvê-la no meio do conflito.
Só uma espiritualidade discernida e orientada pela Palavra é capaz de nortear os rumos de quem insiste em ser cristão e viver sua fé no meio do conflito que, por exemplo, nas regiões mais ínvias, é permanente.

*Doutor em Teologia Moral


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